Helena Borges (helenaborges@istoe.com.br)
Basta visitar um zoológico para atestar o descaso que o Brasil tem com sua natureza. Mundialmente reconhecido pela rica fauna, que atrai a curiosidade de milhões de turistas, o país deixa às moscas – ou melhor, aos urubus – os parques que deveriam servir de abrigo para animais. Levantamento feito por ISTOÉ encontrou casos em oito estados, nos quais os zoos ou fecharam as portas recentemente ou estão envolvidos em investigações policiais ou do Ministério Público (MP). O que melhor ilustra essa situação de abandono fica no Rio de Janeiro. Após dez anos de pressão de diferentes órgãos por reformas, o Ibama embargou o parque na quinta-feira 14. “Entre todos os zoológicos que acompanhamos, a situação do Rio é a mais crítica, sem dúvidas”, afirma Maria Izabel Gomes, Coordenadora de Fauna do instituto.
ABANDONO
Macaco em zoológico interditado: os animais são os que mais sofrem
Segundo o Procurador Sergio Suiama, responsável pelo inquérito no MP, não há registros de reformas estruturais no zoo do Rio há 23 anos. O resultado está nas grades corroídas pela ferrugem a ponto de gerar risco de fuga de animais e nas montanhas de lixo acumuladas que atraem urubus. “Passamos o ano passado inteiro cobrando a prefeitura e eles simplesmente não responderam. Em agosto fomos surpreendidos com a notícia da privatização. Na reunião da semana passada, após o embargo, foi a primeira vez que o secretário de Meio Ambiente apareceu”, queixa-se o procurador. Entre 2008 e 2015, o orçamento do RioZoo saltou de R$ 11,4 milhões para R$ 21,4 milhões, ou seja, quase dobrou. Fica claro que o problema não é a falta de dinheiro.
Os urubus também são as aves mais vistas em Itapetinga (BA), inclusive atacando os animais que deveriam estar a salvo no Parque Zoobotânico da Matinha. O zoo permanece de portas fechadas há pelo menos dois anos. Em completo estado de abandono, sofre com incêndios e invasões de vândalos e caçadores. Alguns bichos já morreram, entre eles um mico leão e uma onça pintada, e pelo menos sete já desapareceram. Entre os que ficaram, até as serpentes foram atacadas por carrapatos. Segundo os relatórios do MP, não é possível um controle exato do número de mortes, já que a gestão do parque sequer possui livro de registro. O procurador Roberto Vieira queixa-se por e-mail de que, apesar de seus esforços, “o caso não tem merecido a mesma atenção pelo Ibama” e que no fim de 2015 o instituto encerrou o processo administrativo. “A decisão não foi aleatória”, afirma, acusando a autarquia de ter “nítida finalidade” de usar as normas para “afastar qualquer responsabilidade”.
INVESTIGAÇÃO
Zoo do Rio, interditado pelo Ibama na semana passada: grades
corroídas pela ferrugem, urubus e montanhas de lixo
Os regimentos aos quais o procurador se refere são a lei LC 140/2011, que trata das responsabilidades de diferentes esferas de poder, e da Instrução Normativa nº 07/2015, que traz esta legislação para a realidade dos zoológicos. A consequência é o já tradicional jogo de empurra entre poderes, que produz sofrimento aos animais. “A lei trata da cooperação entre União, estados e municípios no que for da responsabilidade de todos, que é o caso da competência ambiental”, afirma o advogado Leandro Mello Frota, especialista em direito ambiental. Ele complementa que, justamente por ser competência de ambas as partes, “nenhum dos entes pode alegar que não é responsável por problemas ambientais”.
As denúncias não se limitam à esfera governamental. Em alguns casos, os investigados são os próprios profissionais que deveriam cuidar dos animais. Em Sorocaba (SP), um veterinário foi afastado do cargo no zoológico municipal em dezembro de 2015 após denúncias de uso dos animais para cursos pagos e até para animação de festas infantis. No mesmo mês, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Piauí entrou com ação pedindo a interdição do zoológico de Teresina por, entre outras acusações, uso de remédios vencidos, falta de tratamento a animais machucados e alimentos estragados e cobertos por fezes encontrados nas jaulas. Segundo as fiscalizações, o parque oferecia riscos à saúde não apenas dos animais, mas também de seus visitantes. O zoo de Brasília foi alvo de três denúncias de maus tratos ao MP, a última em agosto, quando o elefante Chocolate foi registrado em vídeo por um dos visitantes, mostrando feridas profundas. As investigações seguem pela Polícia Federal, em caráter de sigilo.
Fontes: IBAMA, Fundação Zoo-Botânica de Belo Horizonte, Prefeitura de Varginha,
Prefeitura de Alfenas, Prefeitura de Sorocaba, Prefeitura de Sumaré, Delegacia de
Polícia de Proteção ao Meio Ambiente do Rio Grande do Sul, Ministerio Público
Federal – procuradorias do Rio de Janeiro, do Distrito Federal e da Bahia, Comissão de
Meio Ambiente da Assembleia Legislativa da Bahia, OAB-PI, Ministério Público de Pernambuco.