JUIZ ORDENA RESTITUIÇÃO DO CHIMPANZÉ HULK AO IBAMA
O Juiz Federal de Passo Fundo, Dr. Eduardo Vandré Oliveira Lema Garcia, revogou a liminar concedida pela própria Justiça de Passo Fundo, permitindo que o Chimpanzé Hulk, cego e sem dentes, continuasse sendo exposto na Feira de Pequenos Animais nessa e outras cidades brasileiras.
A decisão dá um prazo de 10 dias para que o Senhor Douglas Osano Alves Barros, que se julga proprietário do chimpanzé Hulk o entregue ao IBAMA, sob pena de prisão (depositário infiel). A sentença data de 29 de janeiro de 2007.
O Juiz em sua sentença cita a nossa Constituição, assim como os princípios contidos no livro ANIMAL LIBERATION, do filósofo australiano, Peter Singer, como razões poderosas para tirar aquele primata das mãos de seu explorador, que durante anos tem usufruído lucros com apresentações parecidas.
Para todos aqueles interessados reproduzimos a Sentença, já que é um fato inédito e emblemático que nossa Justiça se coloque do lado dos não-humanos, defendendo os seus direitos de existir e ser respeitados em nosso planeta. Um exemplo para ser seguido por muitos legisladores, e Juizes que definitivamente devem aplicar as leis com o espírito que elas foram criadas, a de defender a todos os seres vivos que compartilham conosco a vida neste mundo.
É importante que todos os ambientalistas, cidadãos e Ongs enviem mensagem de apoio ao Dr. Eduardo Vandré Oliveira Lema Garcia rspfu02@jfrs.gov.br por sua decisão que enobrece o Judiciário Brasileiro.
MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2006.71.04.002554-3/RS
IMPETRANTE:DOUGLAS OSANO ALVES BARROSIER
ADVOGADO:PATRICIA ALOVISI
IMPETRADO:DALZIR NAVARINI
TIPO DE SENTENÇA:A
:A
SENTENÇA
DOUGLAS OSANO ALVES BARROSIER, qualificado na folha dois dos autos, impetrou mandado de segurança contra ato dos AGENTES DO IBAMA MARCIO LUCK, DALZIR NAVRINI e do AGENTE DE POLÍCIA FEDERAL TIAGO V. SILVA, pretendendo a concessão de ordem que determine a restituição do “chimpanzé HUCK (…) para que o animal possa voltar a ser exibido na Mostra de Pequenos Animais que está se realizando em nossa cidade” (fl. 7).
Nos dizeres da petição inicial, todos os anos é realizada a Mostra Nacional de Pequenos Animais de Passo Fundo, que está na sua 20ª edição, “onde está exposta a mais variada quantidade de animais, quer de origem nativa ou quer de origem alienígena” (sic, fl. 3). “Verdadeira festa da criançada”. Dentre as atrações, está o chimpanzé Hulk “com estadia regular em nosso país desde os idos de 1974, conforme fazem prova o documento 2, Termo de Responsabilidade, expedido pela Inspetoria da Receita Federal de Viracopos (…) e documento 3, Certificado de Inspeção Sanitária nº 1834, emitido pelo Ministério da Agricultura” (fls. 3 e 4). Afirma a regularidade da posse do animal, que já participou de inúmeros programas televisivos. Durante a Mostra, agentes da Polícia Federal e do IBAMA apreenderam o animal, causando revolta na população “e choro nas crianças” (fl. 5). “Será que aqui não foram pagas as ‘taxas’ que as grandes redes pagam?” (fl. 5). Sustenta que é o legítimo guardião, tratador e representante do proprietário de HULK. Evoca o artigo 5º, LIV,da Constituição da República.
A petição inicial veio instruída com procuração (fl. 8) e documentos (fls. 9 a 18).
Processado com liminar (fls. 19 e 20), nomeando o impetrante como fiel depositário (fl. 25).
O Chefe do Escritório Regional de Passo Fundo, DO INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA, prestou informações. Afirma que não houve ofensa a direito líquido e certo, e que o ato impetrado está respaldado pela Constituição. Evoca o artigo 225, § 1º, VII, da Constituição, e a Lei nº 6.938, de 1981. Cita doutrina. Juntou documentos (fls. 35 a 49).
Com vista dos autos, o Ministério Público Federal aviou o seu parecer, opinando pela denegação da segurança.
Registrados, vieram os autos conclusos para sentença em 16 de junho de 2006.
É o relatório.
Fundamento e decido.
Trata-se de mandado de segurança no qual a parte impetrante pretende a concessão de ordem que determine a restituição de um chimpanzé apreendido pela fiscalização do IBAMA.
O pedido não merece prosperar.
Um dos paradigmas do que se convencionou chamar de ‘contrato social’, especialmente após Hobbes e Locke, foi o rompimento de uma visão de unidade do universo, na qual o homem está inserido em um contexto mais amplo, para uma compreensão individualista (liberal) na qual ele é o elemento central da investigação. A conseqüência prática disso, e que é percebida claramente nos dias atuais, é a redução do direito (subjetivo) à perspectiva do sujeito de direito. Somente quem é sujeito de direito (proprietário, locador, servidor, etc) tem direito subjetivo, portanto.
A Constituição da República de 1988, em certa medida, inovou esse aspecto, ao dizer que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Retirando o indivíduo como elemento central dessa perspectiva de proteção estatal, ainda impôs à coletividade (sentido de unidade) o dever de preservar o meio-ambiente “para as futuras gerações”. Acompanhe-se a redação do artigo 225, § 1º, inciso IV, da Constituição da República:
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:
Inciso VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.”
Veja-se que essa nova compreensão impôs ao Estado o dever de proteger a fauna, vedando práticas que submetam os animais à crueldade; para tanto, foi editada a Lei nº 9.605, de 1998, cujo artigo 32 estatui:
“Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.”
Em que pese a natureza penal da norma, essa infração possui conseqüências administrativas, entre as quais a apreensão do animal para que seja entregue a zoológico ou entidade assemelhada “desde que fiquem sob a responsabilidade de técnicos habilitados”. É a redação do artigo 25 da Lei nº 9.605, de 1998:
“Art. 25. Verificada a infração, serão apreendidos seus produtos e instrumentos, lavrando-se os respectivos autos.
§ 1º. Os animais serão libertados em seu habitat ou entregues a jardins zoológicos, fundações ou entidades assemelhadas, desde que fiquem sob a responsabilidade de técnicos habilitados.”
Digna de elogios, o Município de Passo Fundo ainda possui legislação ímpar, que proíbe “a utilização ou participação de animais selvagens em espetáculos circenses” (Lei Complementar Municipal nº 132, de 2004).
Tudo, pois, a impor uma nova ordem jurídica, na qual o ser humano deve respeito às demais formas de vida que o cercam, e que tem o legítimo interesse em não sofrer. Aqui, vale lembrar a lição do filósofo australiano PETER SINGER, para quem a imensa maioria dos seres humanos são especiecistas. O especiecismo, segundo o autor, é comparado ao racismo e ao sexismo como uma prática ilegítima, na qual a imensa maioria dos seres humanos concordam e patrocinam práticas que exigem o sacrifico de interesses fundamentais (sofrimento) das outras espécies com o fim de promover os mais triviais interesses da nossa própria espécie. Transcrevo o seguinte trecho do livro ANIMAL LIBERATION (New York Review Book, 1990, p. 9):
“Most human beings are speciesists. The following chapters show that ordinary human beings – not a few exceptionally cruel or heartless humans, but the overwhelming majority of humans – take an active part in, acquiesce in, and allow their taxes do pay for practices that require the sacrifice of the most important interests of members of other species in order to promote the most trivial interests of our own species.”
Nesse ponto, o caso dos autos é emblemático. Basta um passar de olhos na petição inicial, para constatar-se o quanto o legítimo interesse do animal em não sofrer é desconsiderado em nome de uma “Verdadeira festa da criançada” (fl. 3).
Conclusivamente, fixo as seguintes premissas para este julgamento: (i) o animal tem o legítimo interesse de não sofrer; (ii) esse interesse é protegido pela Constituição da República (art. 225, § 1º, VII) e pela Lei nº 9.605, de 1998 (art. 32); (iii) a forma de reparar essa violação é a apreensão do animal para que ele seja reintegrado à natureza, ou posto à disposição de um estabelecimento capaz de lhe conceder um tratamento minimamente adequado (art. 25, § 1º, da Lei nº 9.605, de 1998)
Analisando-se os fatos, chama a atenção o relatório de fiscalização (fls. 36 e 37), cujos seguintes pontos coloco em destaque:
“No estabelecimento encontramos um chipanzé em exposição em um local com algumas ‘ poltronas’, separado do público por uma divisória de madeira com aproximadamente 30 cm de altura, o animal estava solto sem nenhum material de contenção ou grade de segurança, o acesso ao animal não só se dava com imensa facilidade, como era estimulado pelo responsável (…)
A análise da documentação apresentada nos mostrou contradição de documentos de suposta importação, parte (dois documentos) se refere ao ano de 1974, e o outro documento de comunicação de transporte traz a data de 1975, ao ser questionado sobre isso o Sr. Douglas não soube explicar (…)
O animal apresenta-se sem dentição (…) esta com catarata e com sinéquia na úvea direita, ou seja, no mínimo, é cego de um olho. (….) o que se viu era que o animal estava em exposição em uma feira onde circulavam milhares de pessoas, onde o Chipanzé foi usado para tirar fotos, apertado e beijado pelos visitantes. Situação que se configura como abuso e maus tratos, uma vez que o contato de milhares de pessoas com o animal, além do estresse, o expõe ao contágio de uma série de doenças, entre elas, a tuberculose e a herpes humana a qual é fatal para o chipanzé.”
Há sinais de maus-tratos ao animal (cegueira, ausência de dentição, contato indevido com seres humanos). Eventualmente, tanto a cegueira quanto a ausência de dentição podem decorrer do envelhecimento do animal; não, de maus-tratos. Contudo, a investigação desse fato extrapola os limites do mandado de segurança. Por outro lado, houve flagrante do inadequado manejo do chimpanzé, no que diz respeito ao seu contato com seres humanos.
Por fim, a fiscalização lançou dúvida razoável sobre a regularidade da importação, o que também não ficou esclarecido neste mandado de segurança.
O ato administrativo (fiscalização) possui presunção de legitimidade. Portanto caberia ao impetrante fazer prova de que: (i) o animal ficaria em melhores condições na sua posse do que em um zôo; (ii) a importação foi regular.
À mingua de prova nesse sentido, há manifesta ausência de direito líquido e certo, o que conduz à denegação da segurança.
Diante do exposto, revogo a liminar deferida ab initio (fls. 19 e 20) e denego a segurança. Sem honorários (Súmulas STF 512 e STJ 105). Custas pela parte impetrante. Concedo o prazo de dez dias para que DOUGLAS OSANO ALVES BARROSIER restitua o chimpanzé ao IBAMA, sob pena de prisão (depositário infiel, fl. 25). Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Expeça-se carta precatória para cumprimento.
Passo Fundo, 29 de janeiro de 2007.
Eduardo Vandré Oliveira Lema Garcia
Juiz Federal
<BR