SANTUÁRIO DE SOROCABA
Vitor nasceu no Criadouro Comercial de Morrete, Paraná, quase 10 anos atrás, filho de Lulu e Flint; seu braço esquerdo foi machucado devido a uma disputa entre sua mãe e outra fêmea que morava junto com ela. Aos cinco dias do nascimento, pesando 1,72 kg, Vitor foi anestesiado numa sala de cirurgia do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, centro de excelência em tratamento de crianças.
O seu braço esquerdo foi amputado na altura do antebraço. Quatro dias após, febre e infecção o levaram de novo à sala de cirurgia para amputar mais acima do antebraço esquerdo, quase ao nível do ombro.
A equipe de veterinários e médicos humanos que relata este acontecimento inédito, talvez no mundo, publicou o seu extraordinário trabalho cirúrgico na revista Archives of Veterinary Science, mencionando que uma nova metodologia anestésica foi usada nas cirurgias do chimpanzé, usando uma máscara laríngea. Esta já era empregada na época com êxito em humanos e pela grande similaridade do sistema respiratório de humanos e chimpanzés foi usada neste caso.
Após sua recuperação miraculosa, Vitor foi vendido para um circo. O circo o manteve aproximadamente por 7 anos até entregá-lo à nós. Quando Vitor chegou nos chocou profundamente, e até hoje nos maravilhamos como ele se adaptou a viver sem seu braço esquerdo, agindo normalmente em todas as situações. Vitor viajou – durante anos – em uma carreta de escassos 9 metros cúbicos pelo Brasil todo, acorrentado, e com uma pequena janela para ver o mundo que desfilava ante ele. Apesar de tudo que ele passou, Vitor é um ser feliz. Sempre que chegamos cedo para levar-lhe os iogurtes e frutas matinais que mais aprecia, nos recebe com um largo sorriso e um abraço.
Vitor mora sozinho, tem medo de outros chimpanzés. Foi atacado duas vezes por Martin, a pouco tempo de sua chegada, e soube se defender. Porém ficou marcado por aquela agressão. Ele tem um túnel que usa para dormir, dispensando o dormitório, e em sua cerca elétrica fizemos uma plataforma especial para ele subir a 10 metros de altura com segurança. Vitor, em dois anos, duplicou de tamanho. Durante meses passou por um tratamento de infecção crônica no ouvido esquerdo, que conseguimos superar, e ele colaborou deixando fazer os curativos duas a três vezes por dia. Talvez, essa infecção o acompanhou anos a fio e deve tê-lo enlouquecido de dor durante muito tempo.
Dias atrás o levamos ao território de Guga, que compreende uma área de cerca elétrica, que era um antigo campo de futebol, ainda com as traves, e se conecta com a escolinha e a casa do Santuário. Quando entrou me pediu a mão, para que o levasse a visitar toda aquela nova área. Guga, enciumado, acompanhava a distância. Depois de todo o reconhecimento do território, me pediu para brincar de pega-pega, que é um jogo que muitos chimpanzés adoram. Brincamos até quando tive fôlego e depois o deixei sozinho no local que não era seu por alguns minutos mais.
Quando o vejo forte, alegre, rindo e brincando, me lembro do impacto que recebi quando o vi pela primeira vez. No primeiro momento não chorei, já que o pessoal do circo estava presente, porém horas depois, sozinho com ele, observando-o, e ganhando sua confiança, não consegui conter as lágrimas, mistura de raiva, tristeza e alegria, já que aquele fantástico ser lutou para sobreviver como ninguém, lutou para não morrer, quando novamente era levado sem cuidados de um lugar a outro do país, até chegar ao seu destino final – como muitos de seus irmãos no Santuário, que se livraram da escravidão e são agora e para sempre livres do jugo humano.
Referência: http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/veterinary/article/viewFile/3880/3120
Dr. Pedro A Ynterian
Presidente, Projeto GAP Internacional