Uma história que ainda não terminou
postado em 29 abr 2013

O auditório estava lotado. Representações diplomáticas de países europeus, como Holanda e Alemanha, estavam presentes. Da África, não poderia faltar uma representação angolana e outra representação da Guiné-Bissau. A isso se somavam amigos da família Carmo, jornalistas, defensores dos grandes primatas e do meio ambiente. O Palácio Galveias, no centro de Lisboa, se tornou um campo onde só se falava de nossos irmãos grandes símios, tão ignorados pelo mundo desenvolvido e até pelos cientistas que deveriam estar comprometidos com sua sobrevivência.

Conhecemos Mário Carmo essa noite pessoalmente. Já tínhamos trocado muitas mensagens e tentativas de colaboração, algumas com êxito, como a transferência do chimpanzé Bongo para o Brasil, e outras fracassadas, como a transferência de quase uma dúzia de chimpanzés em Luanda, numa operação solidamente apoiada pelo Governo Angolano, porém inviabilizada por aqueles que na época – alguns anos atrás – dominavam o Setor de Fauna do IBAMA, que virou as costas ao nosso país irmão e a seus grandes símios.

Mário Carmo tem uma história de vida que daria um outro livro. Sua vida na construção da independência da Angola, quando poucos brancos lá ficaram após Portugal ter libertado o país do seu regime colonial. Mário deixou sua família em Portugal, e, como bom angolano, se juntou a população negra, para continuar seu trabalho de administração das vias férreas daquele país.

Porém, a guerra civil o pegou em cheio e ele teve que lutar para sobreviver. Terminou construindo uma indústria de bebidas, que preenchia um vácuo nas necessidades angolanas. Chegou a ter 250 empregados e uma produção diversificada, que o povo angolano muito apreciava.

Ao mesmo tempo, já com sua família – esposa, duas filhas e dois filhos, começou sua luta pela preservação da natureza e da fauna de seu país. A miséria assolava Angola, e os animais eram uma forma de sustento. No mercado de Luanda, todas as semanas alguns bebês chimpanzés eram oferecidos. Ele ficava vigiando para impedi-lo. Quando não podia evitá-lo, ele mesmo os comprava. Foi o caso de Bongo e Chimba. Motivos do livro, que agora, em sua segunda edição, lançada em Lisboa e brevemente em Angola, conta uma história muito familiar na vida cotidiana daquele continente.

Ainda bebês, ele decidiu levá-los para sua casa em Portugal, onde poderia dar-lhe melhores condições de vida. Ante o caos reinante, em duas viagens praticamente contrabandeou ambos. Era a única forma, naquele momento, de poupar-lhes a vida.

Mário tinha comprado uma casa, na ponta de uma colina, que dominava um amplo panorama nos subúrbios de Lisboa. Rodeado de jardins e natureza, Chimba, uma bonobo, e Bongo, um chimpanzé troglodyte, moraram 8 anos lá, na felicidade de uma família que os amava e com muitos cachorros, resgatados, que os acompanhavam.

Denúncias de vizinhos levaram a polícia ambiental à casa. Bongo e Chimba sabiam do perigo e ficaram quietinhos, para não serem localizados até que o perigo passasse. Porém, a situação era insustentável. Mário decidiu negociar com as autoridades o traslado dos chimpanzés. Inicialmente foram para o Baduca Park, que era um Safari de animais, mas um local apropriado fazia-se necessário.

Os técnicos ambientais da época, interpretando uma lei que não atendia a realidade dos grandes símios, exigiu a separação de ambos, já que Chimba era um bonobo e Bongo, um troglodyte. Se fosse hoje teríamos condições de defendê-los daquela decisão absurda. Os bonobos são tão troglodyte como os chimpanzés são tão bonobos. Ambas as espécies foram criadas pelo especismo radical, que invadiu a biologia anos atrás e colocou em dúvida até Linnaeus, criador da Taxonomia Animal, que qualificou – como visionário que era – a todos os chimpanzés como Homo troglodytes.

Os zoológicos alemães estavam desesperados para pegar Chimba, uma bonobo que na época começava uma fase reprodutiva, e alguém até sugeriu matar Bongo, caso não conseguisse destino para o mesmo, para libertar Chimba de seu companheiro.

Mário teve que obedecer. A lei era mandatória. Ele não poderia ficar com os primatas. Só exigiu que ambos fossem separados no mesmo dia. Após anestesiados, ambos iriam para um destino diferente. Bongo para o Brasil e Chimba para Alemanha. E assim aconteceu.

A história de ambos não termina aqui. Novos capítulos estão por acontecer. Aguardem nos próximos dias as especulações do que pode suceder e as razões do por quê.

Mário Carmo é um lutador pela fauna de Angola, sua esposa, falecida recentemente, após meses de sofrimento, era seu grande apoio. Ela – Lili – assim como uma de suas filhas, que segue seus passos, era a grande mãe de todos os animais que cruzavam em seu caminho.

Mário já ultrapassou os 80 anos, porém tem a vitalidade, o entusiamo e a força que muitos jovens não têm. Ele é um homem comprometido na luta pela sobrevivência dos grandes primatas e por toda a fauna de seu país e da África. O Projeto GAP o recebe com os braços abertos como seu representante em Portugal e Angola, que nunca estarão melhor representados do que agora em diante.

Dr. Pedro A. Ynterian
Presidente, Projeto GAP Internacional

Fonte: http://www.anda.jor.br/29/04/2013/uma-historia-que-ainda-nao-terminou

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