Era um dia como outro qualquer de outubro de 2010 que se iniciava no Santuário dos Grandes Primatas de Sorocaba, afiliado ao Projeto GAP, quando dezenas de homens fardados e armados, com cães adestrados, penetravam pelos vários portões existentes do local, numa ação surpresa, com um rigor fora do comum.
As casas dos funcionários foram invadidas e todas as vias de acesso foram tomadas para impedir a circulação. Foi proibido o uso de celulares e todos os funcionários foram concentrados num só local, a fim de permitir a identificação de cada um e proceder aos interrogatórios.
Qual era o objetivo? “Descobrir um porão secreto, onde supostamente eram feitos testes com chimpanzés, na busca de uma cura para a AIDS”.
Tudo começou mais de dois anos atrás, quando o IBAMA confiscou todos os animais – incluindo hipopótamos, elefantes, girafas, chimpanzés e muitos outros – do Circo Le Cirque, em Brasília. Os chimpanzés vieram para o Santuário de Sorocaba terrivelmente maltratados, sem dentes, castrados, e viviam acorrentados numa jaula oxidada, dentro de uma carreta, por anos a fio.
O Le Cirque conseguiu fugir de Brasília e foi dada a ordem de captura nacional, que terminou acontecendo em Mato Grosso, quando parecia que tentava cruzar a fronteira do país. O IBAMA e o Zoológico de Brasília, que estavam recebendo os animais, solicitaram nossa ajuda para a logística do transporte para centenas de quilômetros até a Capital Federal.
A União Brasileira de Circos Itinerantes – UBCI, que se sustenta com verbas federais do Ministério da Cultura, abriu um processo na época contra dezenas de organizações, pessoas físicas e o IBAMA, acusando-os de conluio para roubar os animais dos circos e vendê-los a diversas instituições conservacionistas e zoológicos.
De todos os denunciados, nós fomos os únicos realmente investigados pelo GAECO (Grupo de Repressão ao Crime Organizado) do Ministério Público de Sorocaba.
Como esta ação terminou no GAECO e gerou a super operação de busca e apreensão no Santuário? Várias teorias existem. Uma das mais plausíveis indica que uma manobra política forçou o GAECO a assumir o caso, que na realidade não era de sua alçada. Semanas antes da ação, um jornal tradicional de Sorocaba – Cruzeiro do Sul –, ligado a forças políticas situacionistas, publicou na primeira página, em sua edição de domingo, a denúncia dos circos, informando que o GAECO seria acionado para realizar a investigação. Nem o GAECO sabia da mesma. O jornal estava adiantando os acontecimentos, para colocar o GAECO contra a parede e não declinar a operação, que claramente não estava entre seus objetivos.
Alguns dias antes do segundo turno das Eleições Presidenciais de 2010 a operação foi realizada. No primeiro turno, 20% do eleitorado tinham votado pela causa verde ou de proteção ambiental. Aqueles 20% de votos da Marina Silva inclinariam a balança para um ou outro candidato. A operação do GAECO tinha o objetivo de descobrir o conluio entre funcionários do IBAMA do Governo Federal, as ONGS e pessoas cúmplices. Uma conferência de imprensa tinha sido convocada para às 5 horas da tarde daquele dia, a fim de mostrar as provas que supostamente seriam descobertas. Os grandes jornais televisivos da noite recolheriam sem dúvida o escândalo e a candidata do Governo Federal perderia uma parte daqueles 20% de votos almejados.
O GAECO percebeu, duas horas após vasculhar o Santuário e interrogar todos os funcionários, que tinha entrado numa fria. Lá não existia nenhum porão secreto, nem eram feitas experiências médicas, nem se maltratava os animais. Pelo contrário, perceberam que era um local de excelência no cuidado dos animais que lá residem.
A conferência da imprensa jogou um “balde de água fria no projeto arquitetado por algumas mentes doentias”, já que os procuradores reconheceram que nada foi encontrado de irregular, pelo contrário.
Várias semanas mais tarde, após uma análise cuidadosa por peritos de toda a documentação apreendida, assim como das memórias dos computadores, fizemos um depoimento que encerrou o caso.
Com data de 02 de maio de 2012, recebemos o Ofício 0238/ 2012, da Promotoria de Justiça Cível de Sorocaba, informando-nos do arquivamento deste processo. Aqui é possível acessar o documento completo que justifica o arquivamento do processo – Gaeco arquivamento
Aproveitamos para transcrever dois parágrafos deste Ofício, que fala por si mesmo, de quem são os verdadeiros culpáveis dos maus tratos e exploração de animais no país: os circos itinerantes que mantém animais em seu plantel.
“Conforme consta da promoção de arquivamento, após minuciosa diligência da inspeção e busca e apreensão no local, que envolveu 40 pessoas entre Promotores de Justiça, funcionários do Ministério Público e peritos da área, e posterior análise da documentação apreendida e outras diligências realizadas pelo GAECO, não foram confirmadas as suspeitas de maus-tratos levantadas pelos representantes dos circos.
Ao contrário, apurou-se que se trata de instituição séria, mundialmente respeitada, devidamente autorizada e fiscalizada pelo IBAMA, e que, no local, os animais são bem tratados e se recuperam de maus-tratos sofridos em circos e criadores inescrupulosos, este sim useiros e vezeiros em exploração e maus-tratos a animais.
Sorocaba, 27 de abril de 2012.
Jorge Alberto de Oliveira Marum
4° Promotor de Justiça de Sorocaba”
No fim devemos parabenizar aos membros da Promotoria de Justiça de Sorocaba e em especial ao GAECO, porque conseguiram, enfim, desmascarar os verdadeiros criminosos que abusam e maltratam seres inocentes, disfarçados de instituições que transmitem a cultura popular.
Dr. Pedro A. Ynterian
Presidente, Projeto GAP Internacional
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