Um encontro com Hials
postado em 22 out 2008

HABEAS CORPUS EM ANDAMENTO

de Lorena Ahicart Muñoz
Projeto GAP (PGS) Espanha

Em 30 de Julho, uma hora do meio dia e em Viena sob um sol forte. No entanto, não estou pensando nas altas temperaturas, minha mente viaja a outro lugar, afinal o pensamento é livre. Estou encima da hora e concentrada na forma de chegar ao meu destino, em especial, no horário. O momento está perto. Nos custa achar o trem. Mordo as unhas. No final o universo conspira para que as coisas aconteçam segundo o previsto. A viagem é muito comprida, passo o tempo olhando as pessoas do meu entorno, tão distintas umas de outras, quando percebo já chegamos a Vösendorf. Levo as instruções em um pedaço de papel amassado: "Descer do trem, olhar à esquerda, a 400 metros tem uma ponte cinza muito feia, ir nessa direção…", quase as conheço sem ler.

Caminhamos seguindo as indicações e na hora vemos o centro de proteção animal, um prédio de dois andares, laranja e cinza. Nos agrada. Meu encontro é as duas e cheguei meia hora antes pelo que decidimos aguardar sentados em uma escada que chegue o momento e como tudo na vida, chega.

Na recepção uma mulher ruiva nos pergunta em alemão. Entendemos que o que deseja saber é o que desejamos e lhe damos nossos nomes. Não entende bem e nós também porque Paula nos garantiu que era suficiente, e que estariam duas pessoas aguardando por nós. Dizemos a ela, em inglês, que Frau nos aguarda e na hora ri e repete: sim, sim, espanhóis!… Nos indica a uma menina morena com lindos olhos verdes que desde sua mesa de trabalho nos recebe com um sorriso e nos dá as boas-vindas. Fiquei surpresa porque pensava que Frau era um homem.

Frau nos pede dois minutos, termina de atender uma ligação telefônica e se levanta indicando-nos amavelmente o caminho, ao mesmo tempo em que se desculpa porque Gudrun, a tratadora de Hials e Rosie, está de férias e sua presença não será possível, assim que "só poderemos vê-los". Somenteω Para mim isso já é um milagre! 

Abrem-se todas as portas ao nosso passo e me sinto agradecida depois de ter achado tantas outras portas fechadas em meu país. Parecem-me transparentes, "passem e vejam que não tem nada que ocultar, nada que esconder".

Frau não deixa de explicar-nos coisas relacionadas com o centro. Lá mora cerca de 1500 animais sem contar os roedores, ufff… vimos cavalos, tartarugas, gansos, cachorros… saímos para o exterior e voltamos a entrar em outro prédio. O coração vai a mil, sei que Hials e Rosie estão perto. No novo prédio têm duas meninas que se apresentam, não consigo reter seus nomes… de novo abrem portas e nos convidam a passar. E ali, 50 metros adiante o vejo, sinto seu olhar fixo em mim. Estou nervosa e emocionada. Fico perto do vidro. Hials me olha atentamente, com curiosidade segue minhas pegadas para não perder detalhe. Numa parte lateral há uma grade e temos nossas faces a mesma altura, separados tão só por ela, e zas!, um monte de sensações explodem em meu interior, misturam-se pensamentos e sentimentos, tem um barulho em meu interior difícil de descrever e a emoção se transborda. Sinto-me culpável pela situação de Hials, alguém de minha espécie o arrancou dos braços de sua mãe um dia, assassinou a sua família, tirou-lhe a possibilidade de balançar seus braços fortes em uma árvore qualquer e forçou-lhe a permanecer 26 anos em uma gaiola dourada, surpreendido em um país que nada tem a ver com seu mundo… por outro lado alivia-me comprovar que está bem cuidado, sua "casa" há 10 anos está muito limpa, sinto que está em boas mãos, porém continuo com a dor do acontecido. Seus dias são todos iguais, suas pegadas se perdem entre quatro paredes… Estou pensando todas essas coisas quando de súbito, vejo a Rosie, a companheira de Hials, a preciosa e tímida Rosie, ela também procura minha atenção. Olha-me e seu olhar fala por ela mesma. Digo-lhe coisas. Quero que o tempo pare.

Ninguém me colocou limites, ninguém colocou obstáculos, posso gravar, tirar fotos… porém duas meninas em minhas costas que aguardam regressar a seus trabalhos e sinto de todo o coração não poder ficar com eles o dia todo.

Rosie perde o interesse nos novos visitantes e vai embora. Sobe por uma corda ao andar superior que dá ao exterior e desaparece. Hials fica um pouco mais ao meu lado, eu acho que lhe agrado, vamos, estou convencida, e já falei antes que o pensamento é livre. Momentos depois dá meia volta e vai para sua "cama" ou melhor, para seu ninho. Sobe nele e começa a bater na placa de metal com o braço que fica pendurado, TOC-TOC-TOC-TOC… segue seu ritmo, e a cada batida o ritmo aumenta, TOCTOCTOCTOC, em dois segundos começa a pular sob a placa e faz tanto barulho que fico paralisada. Adivinho o que está acontecendo e permaneço imóvel. Rápido, Hials pula do mais alto e bate no vidro blindado com força. O vidro parece tremer. Vejo-o enorme, grandioso, majestoso e realmente fico impressionada com esta demonstração de força que deu. Se o que desejava era chamar a atenção, conseguiu. Hials desce como se nada tivesse acontecido. De novo encosta-se ao vidro e dá beijos… "para abraçá-lo!… e tristemente sinto que devo dizer adeus. Não quero abusar da confiança nem do tempo destas pessoas que tão gentilmente me permitiu  esta oportunidade. Dei um adeus a Hials e sinto de verdade ter que fazê-lo.

Este foi meu encontro com Hials e também com Rosie, meu encontro com estes maravilhosos chimpanzés que nunca poderei esquecer seu olhar. Desejo agradecer em especial a David Diaz sua ajuda em colocar-me em contato com Paula, que foi quem me facilitou o acesso às instalações e também a Frau e suas companheiras por deixar-me passar alguns minutos com Hials. Sem eles, sem sua colaboração e ajuda, nunca poderia ter desfrutado de um encontro tão especial.

Obrigado também ao Projeto Grandes Primatas (GAP), a todos meus companheiros, a Pedro que compartilhou comigo este extraordinário momento e especialmente a meu "chefe", Pedro Pozas, por dar-me ânimo, dar-me a idéia e orientar-me como realizá-la.