Sabe-se que os animais são providos de sentimentos, assim como nós. Mesmo assim, toda a ciência acadêmica reluta em aceitar isso, argumentando que tudo não passa de especulação, subjetivismo ou apenas instinto. Os chimpanzés, especificamente, não param de me surpreender a cada dia. Recentemente estava me aproximando de Charles, um macho adulto, forte, com sérios problemas mentais em virtude de seu histórico (motivo este que o levou a fazer tratamento médico até hoje). Por várias vezes que tentava me aproximar dele, Charles me recepcionava com seus pêlos eriçados, batendo nas portas e arrastando objetos pelo recinto, em uma demonstração clara de intimidação. Aos poucos, dia-a-dia, fui ganhando a confiança dele, até que Charles começou a perceber que eu não era perigoso à ele, muito pelo contrário: queria ser seu amigo.
Depois de algum tempo, Charles finalmente me aceitou, mostrando-se calmo, e me chamando para o grooming. Sentei-me ao lado de sua porta onde ele pediu minha bota para que desamarrasse o cadarço (prática adorada pela grande maioria deles). Em determinado momento, na tentativa de retirar esse cadarço, Charles gerou embaraçoso nó, que não iria se desfazer tão rápido e, num surto de fúria, puxou-o violentamente, arrebentando-o em três partes. É claro que essa reação me assustou, mas não reagi bruscamente, apenas retirando minha bota de perto de sua porta e conversando com ele. Minhas palavras foram entendidas, mas tenho certeza que se eu não tivesse dito uma única palavra, sua reação seria a mesma. Pedi os pedaços de volta e ele, sem titubear, me devolveu, com ar de arrependimento. Junto à devolução, Charles vocalizou baixinho, com a cabeça prostrada, como nunca o vira fazer, em claro sinal de desculpas. Talvez ele temesse que eu não voltaria mais para brincar com ele ou algo do tipo. Mesmo depois que eu estava com Alex e Carol, Charles, que nunca ficara dentro do dormitório depois que eu saía, continuou lá, chamando minha atenção delicadamente.
Nesse momento, por mais que estivesse assustado, coloquei-me em seu lugar e entendi o que quis dizer. E de repente o medo foi embora, ficando apenas uma emoção confusa, afinal, por tudo que aconteceu, ele não tinha culpa.
Muitos podem julgar isso de sentimentalismo ou até de loucura, mas nós que somos primatas entendemos isso, já os que são humanos podem não entender.
E Charles pode ter certeza que, se ele quiser, serei seu amigo a qualquer hora.
Luiz Fernando Leal Padulla
Biólogo
Santuário GAP/Sorocaba