Somos os únicos primatas com cultura?
postado em 15 out 2014

Texto do Primatólogo José María Bermúdez de Castro – Assessor Científico do Projeto Gran Simio (GAP/ PGS da Espanha)

Se nos perguntamos o que é a cultura, todos nós teríamos dificuldades para dar uma definição precisa. A cultura humana inclui vários aspectos, e fica muito difícil resumir e sintetizar seu significado em poucas palavras. Entre esses aspectos, contamos com a forma de conduta de grupos sociais determinados e suas tradições, mais ou menos complexas, que se transmitem de geração em geração.

Em todas as espécies animais se observam formas de conduta específicas e repetitivas, que se realizam de forma natural. Porém, vários “experts” têm demonstrado comportamentos reflexivos e exclusivos em chimpanzés, orangotangos, golfinhos e baleias. Em particular, os etólogos têm observado uma série de comportamentos muito particulares e próprios de grupos e clãs de chimpanzés. Os estudiosos têm qualificado essa conduta como uma verdadeira cultura de nossos parentes mais próximos. O aprendizado social representa uma espécie de sistema hereditário secundário, que interage com a herança genética e enriquece a evolução do comportamento. Os seres humanos têm esse aspecto tremendamente desenvolvido, porém não são os únicos.

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Os chimpanzés parecem ser os mamíferos com maior capacidade para o aprendizado social, que compreende até perto de 40 formas diferentes, aprendidas de forma social e que distinguem um clã dos outros. Os cientistas têm observado tradições, que incluem o uso de instrumentos de pedra para determinadas funções relacionadas com alimentação. Em definitivo, estas formas culturais implicam sempre uma inovação particular de cada grupo. Se essa inovação resulta útil, terminará por ser comum no comportamento de todos os membros do grupo. Se seus membros não se comunicam com os de outros grupos próximos, a inovação não se transmitirá aos chimpanzés de uma região determinada. Porém, isto não é o habitual, devido ao intercâmbio de fêmeas entre os grupos de chimpanzés, para evitar a consagüinidade. Este é um método muito eficaz para potenciar o aprendizado social e sua transmissão a outros clãs.

Num trabalho publicado neste último mês de setembro por Catherine Hobaiter e outros colegas na revista PLOS Biology, foi dado um passo a mais na caracterização do aprendizado social mediante um algorítimo matemático, que tem sido elogiado por Andrew Witen na revista Nature. Catherine Hobaiter e seu grupo observaram a comunidade Sonso de chimpanzés na floresta de Budongo, em Uganda. Esta comunidade está sendo estudada há 20 anos.

Como a maioria de chimpanzés, os membros de Sonso têm utilizado uma espécie de recipiente formado por folhas para extrair água dos troncos das árvores. No dia 14 de novembro de 2011, notaram como o macho alfa usava uma espécie de esponja formada por musgos para extrair água de um certo local, enquanto era observado pela fêmea dominante. Esta água parecia ser rica em certos minerais e apreciada pelos membros do clã. Em pouco tempo a inovação do macho alfa para extrair água foi adotada por outros membros dessa comunidade, mas não por todos. Hobaiter e seus colegas tomaram nota de todo o processo e aplicaram um método estatístico novo, que melhorava as observações, tirado de um trabalho prévio em baleias e que mostra numericamente o processo de transmissão cultural na comunidade de chimpanzés.

O método é muito complexo do ponto de vista matemático, porém possível de ser entendido por aqueles que tenham interesses em conhecê-lo (a revista está on line, aberta a todos). O mais interessante é refletir como nossos ancestrais puderam usar o aprendizado social para criar a complexidade cultural que agora temos. O modelo de intercâmbio de fêmeas nos grupos de chimpanzés também foi usado por nossos antepassados, contribuindo para uma difusão muito lenta das inovações. Além do mais, não é demais lembrar que os chimpanzés, animais que temos usado para nossa própria diversão e exibição em zoológicos, representam uma fonte de informação única para conhecer as origens de nossa cultura. O único que nos resta; é este seu legado e devemos levar a sério o respeito que lhe devemos, considerando que ainda nos resta muito para aprender deles.

 Fonte:

http://reflexiones-de-un-primate.blogs.quo.es/2014/10/14/somos-los-unicos-primates-con-cultura/