Reflexões de Uma Ambientalista
postado em 28 jun 2006

“A VIDA NUM SANTUÁRIO
por Sônia Mandruca

Conforme as observações de Yann Martel em seu livro A Vida de Pi, 1?pessoas bem intencionadas, mas mal informadas, acham que os animais na selva são felizes porque são livres. Elas imaginam esse animal selvagem vagando pela savana, por exemplo, em passeios digestivos, após comer uma presa que aceitou religiosamente sua sina, ou dando corridinhas para manter a forma depois de empanturrar-se. Imaginam esse animal cuidando de sua cria, toda família assistindo ao pôr-do-sol, dos galhos das árvores, com suspiros de prazer. Imaginam que a vida do animal é simples, nobre e significativa. Mas não é assim que as coisas são.
Os animais na selva levam vidas de compulsão e necessidade num ambiente em que o estoque de medo é alto e o de comida baixo, e onde o território precisa ser constantemente defendido e parasitas eternamente suportados.
Os animais na selva não são, na prática, livres no espaço e no tempo, nem tampouco em suas relações uns com os outros. Eles não podem de repente, levantar acampamento e partir, ignorando todas as convenções sociais e limites próprios da sua espécie.
Se um homem, o mais ousado e inteligente dos seres vivos, não iria querer vagar de um lugar a outro, como um completo estranho em quem ninguém repara, por que faria um animal, que por temperamento é muito mais conservador. Pois é isso que os animais são, conservadores. As menores mudanças às vezes os transtornam. Eles querem que tudo seja exatamente igual, dia após dia, mês após mês. As surpresas lhes são extremamente desagradáveis. Um animal habita seu espaço, seja na selva, num zoológico, ou num santuário, da mesma maneira que as peças de xadrez se movem num tabuleiro ? com sentido. Não há mais sorte ou ?liberdade? envolvidas no paradeiro de um camaleão ou de um urso, do que na posição de um cavalo num tabuleiro de xadrez. Ambos seguem esquemas e propósitos. Na selva os animais se aferram aos mesmos caminhos pelos mesmos motivos obrigatórios, estação após estação. Num santuário, ou zoológico, se um animal não estiver em seu lugar de sempre, em sua postura habitual, na hora habitual, isto quer dizer alguma coisa. Talvez, reflita apenas uma pequena mudança no ambiente. Uma mangueira enrolada, deixada do lado de fora por um tratador, causou uma impressão ameaçadora. Formou uma poça que incomoda o animal. Uma escada faz sombra. Mas poderia significar mais alguma coisa. Na pior das hipóteses, poderia ser, por exemplo, num santuário para grandes primatas, que algum deles tivesse escapado?.
Não quero dizer com tudo isso que devemos então sair por aí capturando animais e colocando-os em santuários, de maneira alguma. Acredito que neste mundo tudo está certo como a natureza determinou. Porém, muitos animais foram capturados por homens e jogados em jaulas minúsculas. Eles anseiam a liberdade e fazem tudo para escapar. Sendo-lhes negada essa liberdade por demasiado tempo, o animal se torna uma sombra de si mesmo, o seu espírito aniquilado. Muitas vezes são vendidos para circos, onde são treinados para fazer graça. Esse ?treinamento? vai desde surras, torturas até mutilações. No caso dos chimpanzés, temos vários indivíduos, que lhes foram arrancados os dentes, até mesmo castrados, para oferecerem menos perigo aos domadores.

Nesses casos, onde a reintegração ao seu habitat natural se torna impossível, é que eu sou a favor de enviá-los a um santuário muito bem adaptado a todas as necessidades relacionadas a cada animal e que lhe proporcione o resto de uma vida feliz e saudável, que ele possa envelhecer com toda dignidade que todo ser existente na natureza merece.
2 ?Nós costumamos dizer: ?LAR DOCE LAR? Isto sem a menor dúvida é que os animais sentem. Eles são territorialistas. Esta é a chave para suas mentes. Só um território conhecido permite-lhes cumprir os dois implacáveis imperativos da selva: evitar inimigos e obter comida e água. Um cercado de um santuário saudável em termos biológicos, seguindo os padrões da natureza de cada animal ? é apenas mais um território. Os territórios na selva são maiores não por uma questão de gosto, mas por necessidade?.

Em um santuário, fazemos pelos animais o que fizemos por nós mesmos com as casas: juntamos num pequeno espaço o que na selva está espalhado. Enquanto antes a caverna ficava aqui, o rio ali, os terrenos de caça a um quilometro para aquele lado, o posto de observação próximo dele ? todos infestados de cobras, piolhos, hera venenosa, agora o rio flui por torneira ao alcance da mão, e podemos comer onde dormimos e cercar tudo com uma parede protetora, mantendo o lugar limpo e quente. Um recinto num santuário é um território compacto onde todas as necessidade básicas são realizadas perto e em segurança. Um recinto saudável para o animal é onde ele encontra tudo o que precisa: um posto de observação, um lugar para descansar, para comer e beber – e vendo que não precisa se deslocar porque a comida aparece todos os dias da semana, o animal toma posse do seu espaço no santuário da mesma forma que ocuparia um novo espaço na selva. Assim que se cumpre esse ritual de mudança e ele se instala, não se sente como um inquilino nervoso, e muito menos como um prisioneiro, e sim como um proprietário, inclusive defendendo-o com unhas e dentes caso seja invadido. Pode-se até afirmar que se o animal pudesse escolher com inteligência, optaria por morar num santuário, longe dos inimigos e parasitas e com abundância de comida. Pense nisso. Você preferiria um quarto no Ritz, com serviço de quarto grátis e acesso ilimitado a um médico, ou ser um sem-teto sem ninguém para cuidar de você?
Sim, isto mesmo, porque, um santuário nada mais é do que um hotel para animais. Vejamos o exemplo do nosso santuário para chimpanzés:- Pela manhã são acordados pelo tratador com uma garrafa de café com leite, e para aqueles que não gostam, substituímos por chá com bisnaguinhas ou bolachas. Depois são abertas as portas dos túneis que dão para uma área cercada onde fica o play ground. Ali eles ficam brincando de pega-pega, no verão entram na piscininha, ou brincam na areia e ás vezes para variar um pouco também brigam.
Ás 10:30 horas recebem uma vitamina de frutas, às l2:00hs são colocadas as bandejas de frutas e verduras. Depois de comerem e brincarem bastante, eles costumam tirar uma soneca para repor as energias e quando acordam as brincadeiras recomeçam e vão até às l7:00 ou l8:00 horas quando retornam aos seus quartos que já estão devidamente limpos e com as camas arrumadas, para que eles possam então jantar, ver um pouco de teve, tomar um mingau quentinho e dormir . É neste horário então que fazemos a faxina da área de lazer, para que no dia seguinte esteja tudo limpinho e eles possam começar toda rotina novamente.
Tudo isto sem contar que cada hóspede tem sua preferência quanto a comida, reclama da morosidade do serviço, e nunca dá gorjetas. Para falar a verdade alguns deles quando ficam nervosos tem explosões de raiva, chutam as portas, e as vezes chegam até a quebrar as camas. Existem também os indivíduos com desvios sexuais, alguns reprimidos demais, outros depravados fazendo cenas de sexo explícito.
Aí eu lhe pergunto:- você gostaria de ter estes hóspedes em sua casa?
Pois eu tenho, e às vezes eu mesma me pergunto: – Por que? Para que? O que me levou a me envolver tanto, a trabalhar tanto para esses chimpanzés? E a resposta é esta ?ENVOLVER?. Porque eles nos envolvem de tal maneira, que quanto mais ficamos com eles, mais queremos ficar.
Os chimpanzés são criaturas fabulosas, inteligentes, determinados, com todas as emoções iguais as dos humanos:- alegrias, tristezas, raiva, inveja, ciúme, depressão, mau humor, bom humor, são por muitas vezes cômicos, carinhosos, orgulhosos.
O que eu ganho cuidando deles, o dinheiro não pode comprar.
Ganho a alegria de ouvir seus gritinhos de satisfação, ao receberem uma guloseima do tipo: bolo, doce, suco, balas,etc…
Assisto a uma apresentação todos os dias com palhaçadas, caretinhas de monstro, língua de cobra, boca de velha, danças, proporcionada pela chimpanzé Camila de oito anos de idade, que faz tudo isso, só para me ver dando risada ou para receber uma seção de cócegas.
Beijinhos então, ganho de todos.
Tenho uma sensação reconfortante, quando eu os vejo entrando no quarto e fazendo seus ninhos com os cobertores e se aconchegando para dormir.
Se estou triste ou choro, eles já vêm correndo preocupados, e ficam dando beijinhos até eu dar um sorriso.
Não imagino mais minha vida sem eles e espero que meus netos tenham a oportunidade de conviverem tão próximos aos chimpanzés, como eu tive.
Eles nos ensinam a viver no presente, a tirar o Maximo proveito do momento em que se está vivendo. Eles não ficam presos as lembranças do passado, ou com medo do futuro como nós os seres humanos, apesar de terem a capacidade de fazer planos para o futuro.
A pesquisadora e especialista em chimpanzés, Jane Goodall, conta que certa vez observando um grupo de chimpanzés na selva notou que um chimpanzé hierarquicamente inferior em seu grupo almejava a liderança porém era bem menor que o seu líder e portanto não teria chance alguma na hora do confronto. Decidiu então todas as manhãs quando o bando saia para procurar comida, e avistava uma árvore com frutos, ele era o primeiro a subir e jogar os frutos para seus amigos que esperavam em baixo se fartarem.
Após alguns dias, percebendo a sua popularidade em alta, desafiou o líder que veio ferozmente colocá-lo em seu devido lugar. Este então começou a gritar e todo o bando veio em seu auxilio não apenas batendo no lider mas também banindo-o do grupo.
Desde esse dia, após ter conquistado a liderança, nunca mais o chimpanzé voltou a jogar frutos para o resto do bando.
Isto nos faz lembrar de alguns seres humanos muito conhecidos por nós:- os políticos.
Enfim, aprendi e aprendo muitas coisas sobre eu mesma, sobre a vida, observando e cuidando dos chimpanzés. É impossível olhar para um chimpanzé e não sentir a grandeza e a força da vida.
Todas as noites vou dormir com a sensação e a certeza de ter proporcionado momentos felizes para alguns seres tão especiais que AINDA habitam nosso planeta.
Na verdade eles nos dão muito mais alegrias do que trabalho e como disse uma amiga:- É PRECISO QUE OLHEMOS PARA OS CHIMPANZES COM PAIXÃO PARA QUE SEJA DESPERTADO EM NOSSOS CORACÕES O SENTIMENTO DE COMPAIXÃO E POSSAMOS AJUDÁ-LOS A TER UMA VIDA MAIS DIGNA E LONGE DE MAUS TRATOS .

Martel, Yann
A Vida de Pi, Ed. IPA/RJ.
1 pg. 30 e 31
2 pg. 28”

Sônia Mandruca e sua filha, Dra. Selma Mandruca, têm um Santuário de Grandes Primatas, em Vargem Grande Paulista, e são membros do Projeto GAP.

tocadosanjos@terra.com.br