Questão de Confiança
postado em 19 fev 2008

Desde meu início no Santuário, tive algumas dificuldades de amizade com alguns chimpanzés, o que era de se esperar, ainda mais pelo trauma que muitos trazem. Mas com o tempo superei e conquistei (e fui conquistado) por todos. Minha grande dificuldade, no entanto, foi com Charles. Não sabia ao certo o por que disso, mas era fato que ele não aceitava minha pessoa. Chegamos até a ter um momento de tensão quando ele puxou meu cadarço e minha botina, estragando-a por completo e, claro, me pregando um grande susto.
O tempo passou e sete meses depois, após visitas quase que diárias, com conversas, e tentativas de convencê-lo de que eu queria apenas ser seu amigo e que não lhe faria mal, a insistência teve resultado. Pela confiança e provavelmente com ajuda do sexto sentido ? visivelmente presente nos chimpanzés ? Charles aceitou minha amizade. E o melhor é que é uma amizade pura, sem interesses em trocas. A entrega de azeitonas, ameixas, leite, revistas e até as bandejas com agrados, com certeza ajudaram, mas hoje, vejo que isso já não importa; basta minha presença, dando-lhe atenção, brincando de correr e de fazer grooming que Charles mostra o quanto é especial. Era difícil para eu imaginar que ele chegaria a dar as costas para eu acariciá-lo (sinal de confiança entre eles), muito menos que um dia até um beijo me daria, selando nossa amizade.
Como toda amizade, vem também o ciúmes. Quando visito e brinco com seus vizinhos do complexo, Charles quer toda a atenção para si. Por mais tempo e atenção que lhe dê, nunca é o suficiente. Quando brinco com Rakker, Sam e Carol, Charles fica me chamando, seja deixando alguma fruta cair no corredor para que eu pegue para ele, ou até mesmo dando gritos caso eu não perceba a fruta caída.
Apesar de todo seu tamanho intimidador (se não for o maior, é um dos maiores chimpanzés do Santuário) e de seu histórico traumático no zoológico que lhe acarretou problemas psíquicos até hoje, Charles mostra-se uma pessoa adorável, carinhosa e que merece todo nosso respeito. Mais uma prova de que todo o ser é moldado pelo meio em que vive!


Luiz Fernando Leal Padulla
Biólogo
Santuário GAP/Sorocaba