Quase Humanos
postado em 27 dez 2010

CIÊNCIAS DA VIDA

Primatóloga Jane Goodall relata suas experiências na companhia de chimpanzés ao longo de 50 anos de trabalho

Entrevista feita por Kate Wong

Em 4 de julho de 1960, aos 26 anos de idade, Jane Goodall chegou à reserva de Gombe Stream Game, na Tanzânia, para estudar o comportamento de chimpanzés. Seus comentários sobre a vida comovente de Fifi, David Greybeard (Barba cinza) e outros chimpanzés revelam que esses macacos compartilham muitos caracteres que se acreditava serem exclusivamente humanos. Atualmente, aos 76 anos, Goodall trabalha em defesa dos chimpanzés e seus hábitats ameaçados. Recentemente SCIENTIFIC AMERICAN entrou em contato com ela por telefone, quando se encontrava em Hong Kong comemorando as bodas de ouro de seu trabalho em Gombe. A seguir, trechos da entrevista.

SCIENTIFIC AMERICAN: Quando a Sra. Chegou ao Gombe, quais eram suas principais expectativas em relação aos chimpanzés?
GOODALL: Eu esperava que os chimpanzés fossem tão inteligentes, mas ninguém sabia muito sobre a vida deles na selva ou de como se relacionavam socialmente.

Que tipo de comportamento mais a surpreendeu?
O mais interessante foi perceber como eles são incrivelmente parecidos com os humanos. Muitas pessoas realmente se surpreendem por eles usarem ferramentas. Eu, particularmente, não me surpreendi, porque o psicólogo alemão Wolfgang Köhler já havia relatado esse comportamento em cativeiro. Mas foi extraordinário observar essa situação na selva, juntamente com atividades de caça e divisão de alimentos. Isso permitiu obter mais recursos financeiros para continuar nossa pesquisa. O que me chocou foi o fato de que, como os humanos, eles mostram um lado sombrio e são capazes de agir brutalmente, com violência, e até guerrear. Os grupos sociais envolvem-se num tipo de combate primitivo aparentemente em relação ao domínio de território. Talvez ainda mais chocantes sejam os ataques das fêmeas a bebês recém-nascidos da mesma comunidade.

O que torna a mente humana tão diferente da mente de um chimpanzé?

O rápido desenvolvimento intelectual. Você pode encontrar chimpanzés muito inteligentes que conseguem aprender a linguagem de sinais e realizar uma série de comandos no computador, mas não faz sentido comparar esse intelecto com a mente de um ser humano. Minha sensação é que a evolução de nosso intelecto foi acelerada logo que começaram a usar o tipo de linguagem que usamos hoje, uma forma de comunicação que nos permite discutir o passado e planejar o futuro distante.

Como vivem os chimpanzés na selva?
Nada bem. As principais ameaças variam de lugar para lugar, mas na maioria dos locais o maior problema é a dizimação das florestas. Na bacia do Congo, onde se concentram as maiores populações de chimpanzés, o comércio ilegal de carne de animais selvagens é outra ameaça muito grave. Além disso, os chimpanzés podem contrair várias doenças típicas de humanos; assim, à medida que exploradores de madeira abrem estradas avançando cada vez mais floresta adentro, os animais ficam mais ameaçados.

O que está sendo feito hoje para proteger os chimpanzés?

Na Tanzânia, o Instituto Jane Goodall iniciou um programa chamado Tacare (de “Take Care”, “Cuide bem”), que está melhorando a vida dos habitantes dos vilarejos, ajudando-os a mitigar a pobreza; por isso eles apóiam nossos esforços para proteger a floresta e entenderam a importância de evitar a derrubada de árvores para preservar a água. Apesar de ser uma reserva muito pequena, Gombe agora está cercada por um cinturão verde que rodeia todo o parque, recobrindo o que antes eram colinas despidas de vegetação. De Gombe partem corredores na direção de outras florestas tropicais contendo pequenos grupos de chimpanzés. Não fazemos idéia se os animais usarão esses corredores, mas pelo menos estamos lhe dando uma opção. Outro programa está sendo desenvolvido para reduzir as emissões provocadas pelo desmatamento e degradação de florestas (Redd, na sigla em inglês) um mecanismo que permite negociar fundos provenientes do comércio de emissões de carbono para comunidades que provem estar protegendo suas florestas.

Quais foram suas maiores contribuições?

A mais importante foi romper essa linha nítida que nos separa das outras criaturas. Eu acredito que os chimpanzés nos ajudaram a entender que não estamos separados do reino animal, mas fazemos parte dele, e isso abriu caminho para respeitar outros seres admiráveis com os quais dividimos o planeta.
Os jovens do mundo todo precisam entender que nossas atitudes individuais diárias fazem diferença. Se todos começarem a pensar nas conseqüências de pequenas escolhas que fazemos – que comemos, o que vestimos, o que compramos, como nos deslocamos de um lugar para outro – e agir de acordo, esses milhões de pequenas mudanças produzirão mudanças maiores e muito necessárias, se realmente nos preocupamos com nossos filhos. É por isso que me mantenho firme nessa jornada de 300 dias por ano conversando com grupos de jovens, adultos, políticos e empresários – porque não creio que ainda nos reste muito tempo.

Fonte:
Revista Scientific American Brasil/ Janeiro 2011