Por Alejandra Juarez, Representante do GAP na Argentina
No ano passado, antes da representação judicial de Sandra, me encontrei em uma reunião no legislativo com Claudio Bertonatti, uma pessoa que eu quero muito bem e que me deu a notícia de que o Zoológico de Buenos Aires tinha uma nova direção, como também uma nova visão e filosofia de que tinha “caído a ficha”; decidiu analisar o translado de Sandra e dos chimpanzés para um Santuário.
A mesma informação me foi dada vários meses atrás, por uma integrante de outra organização que trabalha para os grandes primatas no país. Certamente senti que o trabalho em nosso país das duas únicas organizações que trabalham com grandes primatas, o IJG e o PGS/ GAP, que eu represento, tinha dado os seus frutos. Grande foi a nossa alegria de poder ver que começava a produzir mudanças e logo após esta notícia, se organizou imediatamente, uma reunião no mesmo Zoo de Buenos Aires, com Adrian Sestello, chefe da Biologia do Zoo e os novos diretivos da concessionária, pessoas estas, que pela primeira vez podíamos nos sentarmos para conversar, intercambiando ideias e propostas. Nessa reunião, assistimos a Vânia Ynterian do Santuário de Grandes Primatas do Brasil (sede do Projeto GAP), Pia, a coordenadora do Projeto Gran Simio de Buenos Aires e eu. Por esses dias vinhamos de Santiago del Estero, ao participar da comissão que avaliou o infeliz Monti (este é outro tema para contar e será no próximo relato) e foi quando Sestello do Zoo de Buenos Aires, nos contou que fazia tempo, tinha iniciado as tratativas para o translado de Sandra, mas que o assunto era complexo. Imediatamente, o presidente do Projeto dos Grandes Primatas, Pedro Ynterian, iniciou as conversas, já que, o Santuário de Grandes Primatas de Sorocaba, foi contatado pelo Zoológico para ver se receberia Sandra e a resposta foi positiva. Porém, o presidente e diretor do Santuário do Brasil, recomendou ao Zoo de Buenos Aires, que analisasse outra possibilidade, em um Santuário na Flórida, Estados Unidos, que é especializado em orangotangos e tem mais de 18 ali residindo, a maioria procedente de zoológicos e do mundo do entretenimento de Hollywood.
O Santuário de GAP em Sorocaba, colocou o Zoo de Buenos Aires em contato com o Center for Great Apes, e a sua diretora Patti Ragan, para analisar o translado de Sandra para aquele local. O assunto já estava BEM encaminhado. O Center for Great Apes de Wauchula, Flórida, têm 45 grandes primatas (entre chimpanzés e orangotangos). Ali vive um chimpanzé que ficou famoso ao ser criado pelo cantor Michael Jackson que antes de morrer, o entregou àquele Santuário. Patti Ragan, fundadora e diretora do Santuário da Flórida, nos confirmou as conversas mantidas previamente com o Zoo de Buenos Aires e o seu desejo de receber Sandra; mas há vários inconvenientes. O Santuário na Flórida, é o mais indicado, que poderia receber a orangotango, tem protocolos sanitários estritos que poderiam colocar em risco a vida de Sandra. Por outro lado, a integração de Sandra na natureza é quase impossível e até iria em detrimento da mesma espécie, porque Sandra é híbrida de ambas espécies na atualidade, no próprio meio.
Se obteve toda informação necessária, para iniciar o processo de solicitação de permissões para levar Sandra aos Estados Unidos. Porém, o CDC (Centro do Governo dos Estados Unidos para Controle de Doenças) tem exigências de quarentena muito rigorosas. As permissões do CITES I e da U.S. Fish & Wildlife Service (promulgou a lei das espécies em perigo), a quarentena poderia levar de 6 a 8 meses ou mais. Essa quarentena, com essa duração, deve ser feita fora do Santuário dos Primatas, que não podem receber Sandra de qualquer outro país, sem deixá-la em quarentena por 06 ou mais meses (há poucos locais aprovados para instalações de quarentena nos Estados Unidos). O pior de tudo isto, é que devido a que os orangotangos quase sempre (por volta de quase 90% dos casos), dão “falso positivo” para Tuberculose, estão obrigados a dar-lhes a quimioterapia para Tuberculose, durante o período da quarentena. Sandra ficaria doente e levaria uma vida miserável durante este tempo e a nós, não gostaríamos de submetê-la a este tratamento. A única forma de que Sandra poderia ingressar nos Estados Unidos, sem passar pelo período de quarentena, é ir para um Zoológico acreditado para fins de exibição (Associação de Zoológicos Americanos-AZA) ou a um centro de investigação de nível universitário. Tudo contrário ao que nós procuramos. Por outro lado, teríamos que contar com a autorização do Governo desta cidade, já que o Zoo e seus animais são propriedades do Governo. O Governo de Buenos Aires é o responsável do Zoo, coisa que nós, geralmente, não levamos em conta.
As tratativas acima relatadas, ficaram em stand by, quando e apesar de termos conhecimento de esses acordos, que já estavam em trâmites para Sandra, a organização AFADA, com seu presidente Pablo Buompadre, apresentou dois Habeas Corpus a favor de Sandra e uma denúncia por maus tratos. Porém, o Juizado de Instrução n° 47 da cidade de Buenos Aires, a cargo da Juíza Mónica L. Berdión de Crudo, indeferiu em primeira instância o pedido de Habeas Corpus, entrando logo com uma Apelação que também foi rechaçada, enquanto a causa da denúncia por maus tratos, foi encaminhada à Fiscalia n° 8 – Fórum Penal Contravencional e de Faltas, a cargo da fiscal Cecilia Amil, a qual sinalizou “que não se trata de um Habeas Corpus o que está tramitando, se não de uma investigação pontual sobre o delito de maus tratos animal”. Além do mais, informou que se dispuseram algumas medidas de inspeção do local onde habita a orangotango, o pedido de históricos clínicos; como também “no caso da orangotango Sandra, está sendo investigado objetivamente, o tipo de maus tratos animal” explicou Gustavo Letner, titular do Juizado n° 15, responsável pela causa impetrada. A responsabilidade do Zoo de Buenos Aires, sobre suposta comissão de delito. O Habeas Corpus pedido pela AFADA , já tinha sido rejeitado em novembro de 2014, pela Juíza Penal de Instrução Mónica Berdión de Crudo. Naquele momento, o constitucionalista Andrés Gil Dominguéz, advogado de Sandra, em março passado apresentou um recurso de Amparo contra o Governo da cidade Buenos Aires e o Zoológico, “por infringir de forma manifestamente ilegal e arbitrária, o direito a liberdade ambulatória e o direito de não sofrer dano físico ou psíquico, como pessoa não humana e sujeito de direito à orangotango Sandra, que se encontra cativa no Jardim Zoológico da cidade Autônoma. Além do mais, o texto reclama que a Sandra, seja colocada em um Santuário de acordo com sua espécie, onde possa desenvolver sua vida em um real estado de bem estar.” Aclarou que a designação de sujeito não humano encontrada, não poderá ser pedida a outros habitantes do Zoológico. Isto só se aplica no caso da Sandra e dos grandes primatas, que têm 99,4% de identidade genética com os seres humanos. No dia 16 de março a Juíza Elena Liberatori, deu lugar ao seu Amparo e propôs uma audiência, com a intervenção do advogado da Sandra, da Procuração Geral da cidade de Buenos Aires, o diretor do Zoo de Buenos Aires, o tratador da orangotango Sandra e em caráter de “Amicus Curiae”, dos especialistas com incumbência na matéria da Faculdade de Ciências Veterinária da Universidade de Buenos Aires; assim como também, três espertos estrangeiros (os que participariam de uma audiência judicial via skype na qualidade de avaliadores técnicos). A Juíza Liberatori, conseguiu que fosse formado um comitê de três espertos para avaliar a situação da orangotango do Zoológico e recomendar como melhorar sua vida.
O diretor do Zoológico de Buenos Aires, Gabriel Aguado, concordou que espertos da Faculdade de Ciências Veterinárias da UBA e da Universidade Nacional de Rosário, avaliem a situação atual da orangotango Sandra e as medidas que poderiam ser adotadas, no caso de que se faça necessário, para melhorar sua vida. Participaram advogados da Assessoria Geral Tutelar da cidade. Por mais que pareça insólito, é considerado um progresso para os grandes primatas, a Juíza interveio nesse Órgão, que se encarrega de defender o direito das crianças, adolescentes e pessoas que padeçam de problemas mental. É importante ler um pensamento acertado do constitucionalista Gil Dominguéz, quem apresentou o recurso de Amparo e representa Sandra, que expressa, “quando Sandra era um objeto de proteção e não podia ser maltratada ou submetida a atos de crueldade – nos termos expressados pela Lei 14.346 da Proteção dos Animais – o cativeiro e exibição pública eram legais e legítimos, na medida em que seja alimentada, não seja agredida e lhe trouxessem um macaco para ter sexo e procriar. Mas, considerando Sandra como sujeito de direito, implica diretamente que seu cativeiro e exibição pública, como objeto circense, violam os direitos que ela tem, por mais que seja alimentada, não a maltratem ou a submetam a atos de crueldade ou lhe permitam ter sexo com um macaco de sua espécie, porque o cativeiro e a exibição são, em si mesmos, atos que agridem seus direitos e se transformam em crueis e degradantes, em termos constitucionais e convencionais. Por isso, é necessária a aplicação direta da Constituição e os tratados sobre Direitos Humanos, para tornarem efetivos os direitos pleiteados para Sandra.”
Hoje também, a Agência de Proteção Ambiental de Buenos Aires (APRA), do Governo da cidade, participa desta iniciativa da causa de Sandra, que tem tomado uma notoriedade popular e mundial. Acredito que em definitivo, voltará ao início das negociações e tratativas, isto é, ao começo quando, desde o centro da equipe científica do Zoo, se tomou a iniciativa e voltará a ser estudado e avaliado o destino de Sandra. Espero somente que não ocorra como no caso do chimpanzé Monti, que o que se pretendia proteger, acabou sendo condenado por ações judiciais, que responderam mais a um interesse publicitário e vaidade individualista, que superou amplamente o interesse pela vida de Monti. Espero que isto não repita, ainda mais quando as decisões sobre o destino da Sandra, estavam definidas com anterioridade. Devemos rogar que Sandra não seja punida ao mesmo destino que Monti.