Evolucionista diz que o cérebro símio tem potencial para desenvolver inteligência próxima à humana
Marcela Buscato
O pesquisador japonês Atsushi Iriki, de 51 anos, acredita que os macacos de seu laboratório guardam a resposta para uma questão que intriga a ciência: como os humanos desenvolveram uma inteligência tão complexa? “O cérebro dos macacos é um rascunho muito rudimentar do nosso”, diz Iriki. Ele afirma que, bem treinados, os animais podem desenvolver uma inteligência similar à humana. Para provar sua teoria polêmica, ele treina seus macacos, que não sabem usar ferramentas, para manipular um bastão e alcançar frutas. Depois, analisa se houve alguma mudança no cérebro deles. Iriki quer provar que a capacidade de usar ferramentas, restrita a poucas espécies, teria sido o gatilho para que os humanos desenvolvessem um intelecto tão sofisticado.
ENTREVISTA – ATSUSHI IRIKI
QUEM É É diretor do Laboratório de Cognição Simbólica do Instituto Riken de Ciência do Cérebro, na cidade de Wako, no Japão, e professor da Universidade de TóquioO QUE FEZFormou-se dentista pela Universidade Médica e Odontológica de Tóquio e especializou-se em evolução da inteligênciaO QUE FAZEstá estudando as diferenças do cérebro dos humanos e de outros animais para descobrir por que só nós temos linguagem
ÉPOCA – Por que ensinar macacos a alcançar comida pode revelar as origens da inteligência humana?
Atsushi Iriki – Eu e minha equipe ensina-mos macacos-japoneses a usar um tipo de bastão para pegar frutas que estavam fora de seu alcance. Escolhemos animais dessa espécie porque eles não costumam usar instrumentos na vida selvagem, mas relatos indicavam que eles poderiam aprender. Depois de duas semanas de treinamento, eles conseguiam manejar o bastão para alcançar a comida. Alguns usavam outra ferramenta para pegar o bastão quando ele estava distante, para só então tentar puxar as frutas. Quando os macacos já estavam bem treinados na tarefa, foram submetidos a exames de ressonância magnética para observarmos o cérebro deles. Tivemos uma surpresa. Notamos mudanças no padrão de ativação de circuitos cerebrais que podem ter desencadeado a evolução da inteligência.
ÉPOCA – Quais foram essas transformações?
Iriki – Quando os macacos usaram duas ferramentas de maneira combinada, foi detectada atividade até no córtex pré-frontal, região que nos seres humanos é relacionada ao raciocínio. Mas a descoberta fundamental foi que, em todos os macacos que participaram do experimento, os mesmos neurônios que controlam as sensações táteis das mãos também passaram a ser ativados quando os animais avistavam o bastão. Eles passaram a considerar que a ferramenta era um prolongamento do próprio corpo. Por isso, tornaram-se capazes de usá-la.
“Estímulos ambientais podem fazer com que os macacos
desenvolvam comportamentos característicos dos humanos”
ÉPOCA – O que significam as mudanças?
Iriki – É sinal de que houve uma reorganização do cérebro. Alguns circuitos se integraram, o que tornou possível que os macacos fossem capazes de usar as ferramentas. Os neurônios de uma região do cérebro chamada córtex parietal, bem na parte de cima da cabeça, cresceram cerca de 1 milímetro e alcançaram outros neurônios, formando novas conexões. O cérebro dos macacos que não aprenderam a usar ferramentas não é assim.
ÉPOCA – Como essa reorganização cerebral teria acelerado a evolução da inteligência?
Iriki – Se o cérebro passa a reconhecer objetos como se fosse um prolongamento do corpo, também é provável que reconheça o corpo como algo independente do ambiente. Isso significa que o indivíduo sabe onde o “eu” termina e onde o ambiente começa. Essa capacidade de reconhecer-se pode ser considerada uma precursora da consciência. Quando existe esse senso de si, é possível começar a modificar o ambiente intencionalmente. E foram essas mudanças no ambiente que intensificaram nossa evolução.
ÉPOCA – Como?
Iriki – Quando o ambiente é transformado, surgem novas necessidades. No início da civilização, sobreviviam aqueles que eram capazes de construir um abrigo seguro para se proteger de predadores e do frio. E ainda tinham mais tempo e conforto para pensar em outras invenções, o que aumentava sua inteligência. A capacidade para usar ferramentas foi sendo aprimorada até um ponto em que não era mais o ambiente que selecionava quem iria sobreviver. Os humanos passaram a alterar o meio de maneira que ele facilitasse sua sobrevivência.
ÉPOCA – É possível que estímulos do meio consigam mudar o cérebro e até aumentar a inteligência?
Iriki – Vários estudos deixam claro que necessidades do ambiente provocam transformações no cérebro. Uma grande extensão do córtex parietal se torna mais espessa em músicos que praticam em seu instrumento durante muitas horas por dia. Até mesmo fazer contas pode aumentar a espessura do córtex pré-frontal e do parietal.
ÉPOCA – Se há milhares de anos humanos e animais estavam no mesmo ambiente, sob as mesmas pressões ambientais, por que não desenvolveram o mesmo tipo de inteligência?
Iriki – Isso ninguém sabe. Talvez eles vivessem em áreas diversas, que impunham requisitos diferentes para um indivíduo sobreviver. Apesar de os macacos e os homens terem um ancestral em comum, alguns grupos se separaram, foram viver em regiões diferentes, adaptaram-se a esse ambiente e se diferenciaram como espécie. Por isso, de alguma maneira, o cérebro dos macacos deve ter o desenho básico da inteligência ou, no mínimo, uma forma precursora dela. Mas funciona de maneira diferente do cérebro humano em razão do ambiente em que eles vivem.
ÉPOCA – Alguns pesquisadores defendem que os seres humanos desenvolveram uma inteligência tão sofisticada por causa da vida em grupo. A interação necessária para viver em sociedade teria exigido um intelecto complexo. Os defensores dessa teoria estão errados?
Iriki – É claro que o uso de ferramentas não foi o único fator que contribuiu para o desenvolvimento de nossa inteligência. Outros acontecimentos, como a vida em sociedade, também teriam contribuído para desenvolver um pensamento como o nosso. Esses mecanismos não ocorreram independentemente, mas juntos. Um aciona o outro. As ferramentas podem não ser a única maneira para evoluir, mas são uma das mais importantes.
Foto: NO CAMINHO?
Macacos-japoneses tomam banho em fonte térmica. Eles podem aprender a manipular instrumentos, como os humanos
ÉPOCA – O senhor acredita que, estimulados, os macacos possam desenvolver uma inteligência como a nossa?
Iriki – Por um lado, acredito que seja possível, sim. Pequenas mudanças no ambiente, que incitem novas necessidades de adaptação, podem fazer com que os macacos tenham comportamentos próximos aos produzidos pela inteligência humana. Há muitas evidências de que chimpanzés treinados em cativeiro têm comportamentos característicos de nossa espécie, como a imitação ou guardar ferramentas para usar quando necessário. Por outro lado, é muito difícil que os macacos consigam chegar ao nível de inteligência dos humanos. Eles vivem em um ambiente muito diferente do nosso, que não gera as mesmas necessidades de adaptação que o meio transformado pelos humanos exige.
ÉPOCA – Como o entendimento das origens de nossa inteligência pode nos ajudar hoje?
Iriki – Nossa inteligência é baseada em traços evolucionários, encontrados em nossos ancestrais e em espécies próximas a nossa. Montando esse quebra-cabeça da evolução, podemos entender por que temos linguagem e outros animais não. Analisando os mecanismos neurobiológicos que serviram como base para desenvolvermos uma inteligência tão sofisticada, poderemos ter ideia de até onde poderemos aprimorá-la.
ÉPOCA – O senhor acredita que há um limite para a inteligência humana?
Iriki – Acredito que os humanos podem desenvolver sua inteligência até determinada extensão. Não vejo motivos para querer ultrapassar esse limite. Mas acho que ainda não devemos nos preocupar com essa questão, porque estamos longe de atingi-lo.
Fonte: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,ERT27233-15295-27233-3934,00.html