Apesar de a Espanha ter sido o único país do mundo em que a adesão do Parlamento ao Projeto dos Grandes Primatas foi defendida com sucesso, ainda não foi aprovada uma Lei sobre Hominídeos ou Grandes Primatas
Por Paula Casal – Professora do ICREA e do Departamento de Direito da Universidade Pompeu Fabra de Barcelona / Presidente do PGS Espanha
03/09/2022 – El Diario – Blog El Caballo de Nietzsche
Há quase trinta anos Paola Cavalieri e Peter Singer publicaram The Great Ape Project (1993), reunindo os argumentos de numerosos filósofos e cientistas a favor do reconhecimento do direito de nossos irmãos evolucionários viverem sem serem torturados ou presos. Desde então, muitas descobertas científicas foram feitas, as leis mudaram, a situação dos grandes primatas e, também, o argumento moral. Por isso, a defesa dos símios precisava de uma atualização científica, jurídica e filosófica, que foi feita, com fotos e mapas, no livro “Los Derechos de los Simios”, de Paula Casal e Peter Singer (Trotta, 2022). Os benefícios financeiros do livro foram doados inteiramente para o Great Ape Project.
Para começar, agora não se fala mais em “as três grandes espécies de grandes primatas”, porque todos os símios foram reclassificados como hominídeos e somos dez espécies: as três do gênero Homo (humanos, bonobos e chimpanzés), os orangotangos de Bornéu, de Sumatra e Tapanuli, e os gorilas ocidentais, orientais, de montanha e Cross River. Neandertais e Denisovanos, agora extintos, são hominídeos. Há mais espécies, mas menos indivíduos: os humanos levaram todos os outros à beira da extinção, especialmente desde o início da pandemia. Tragicamente, isso está acontecendo exatamente quando descobrimos que eles têm muito mais capacidades do que pensávamos anteriormente e que, como os neurocientistas Lori Marino e Bob Jacobs mostraram, o cativeiro causa danos cerebrais profundos naqueles com tais capacidades, então a conservação em zoológicos não é uma opção.
Enquanto primatas livres são abatidos e suas culturas se extinguem, campanhas para defender primatas em cativeiro têm dado frutos. Em 1997, o Reino Unido suspendeu as licenças para realizar pesquisas invasivas e o Conselho Nacional de Pesquisa dos EUA encerrou os programas de reprodução nas instalações do Instituto Nacional de Saúde por motivos éticos. Este último também promulgou a Lei do Chimpanzé em 2000, concedendo aposentadoria, em vez de eutanásia, a chimpanzés já usados.
Em 1999, a Lei de Bem-Estar Animal da Nova Zelândia proibiu a pesquisa biomédica sem benefício líquido provável para grandes primatas, e o centro de pesquisa holandês a abandonou em 2002 devido à falta de resultados. A Suécia proibiu esse tipo de pesquisa em 2003, a Áustria em 2004, a Suíça em 2006 e a União Européia em 2010. Nos Estados Unidos, o interesse pela experimentação diminuiu por causa de seus altos custos e baixos benefícios. Em 2011, o Instituto de Medicina da Academia Nacional de Ciências publicou o relatório “Chimpanzees in Biomedical and Behavioral Research, Assessing the Necessity”, descrevendo os experimentos como desnecessários. Como o estresse agudo contínuo não apenas produz depressão, mas também pode comprometer o sistema imunológico, os resultados não são apenas escassos, mas não confiáveis.
No início, nós falantes de espanhol nos limitamos a observar a luta pelos direitos dos hominídeos dos anglófonos. Mas depois, o Projeto dos Grandes Primatas da Espanha e do Brasil começaram a difundir a mensagem com mais perseverança e dedicação do que os outros, até que, finalmente, a América Latina iniciou uma autêntica revolução jurídica em direção ao reconhecimento dos direitos dos hominídeos.
O docutriller de Alex Cuéllar e Rafa Sánchez “Persona (não)humana” (2022) segue os processos de Habeas Corpus da orangotango Sandra (2014) e da chimpanzé Cecilia (2016). Mas muitos outros processos legais – como o da Suíça (2005), Lilly e Debby (2008) e Jimmy (2009) no Brasil; Toti (2013 e 2020), Monti (2014), Toto (2014), Martin, Sasha e Kangoo (2017) na Argentina; o Tommy (2013), Kiko (2013) e Hércules y Leo (2013) nos Estados Unidos – apresentaram o chimpanzé como sujeito de direitos e pessoa jurídica. Filosoficamente, a concepção mais plausível da pessoa é como um conceito de agrupamento, ou seja, como uma lista ponderada de características não arbitrárias e relacionadas que não são individualmente necessárias nem suficientes. A memória, por exemplo, é característica das pessoas, mas pode haver pessoas com amnésia, e não pessoas com memória. Outros conceitos de cluster são arte, democracia, espécies e prova matemática. A arte, por exemplo, não é necessariamente algo belo, nem uma representação da natureza.
Os processos judiciais e suas defesas vêm ganhando vida própria na cultura jurídica internacional e os casos são cada vez mais frequentes, envolvem mais espécies e procedimentos diversos e chegam aos tribunais superiores. Por exemplo, em 2019, o Tribunal Constitucional colombiano me chamou para depor como perito no Habeas Corpus de Chucho, o urso andino. Este é um exemplo de como, uma vez que conseguimos quebrar a barreira das espécies, e os direitos legais dos grandes primatas são reconhecidos, a porta permanece aberta para que os casos de outros animais possam ser considerados, o que o conceito de cluster não exclui.
De fato, esses tipos de defesa não foram aplicados apenas a outros primatas, como o macaco Estrellita do Equador (2022), mas também a outros animais conscientes de sua identidade, como orcas (Tilikum, Katina, Corky, Katatka e Ulises em 2012) e os elefantes (Kaavan de Islamabad em 2020 e Happy do Bronx em 2022). Na Costa Rica, os direitos do leão Kivu já foram reconhecidos (2022).
E o que fizemos na Espanha? Os voluntários, especialmente Pedro Pozas, não pararam. Mas, em nível estadual, praticamente nada foi feito, apesar de a Espanha ter sido o único país do mundo em cujo Parlamento a adesão ao Projeto dos Grandes Primatas ter sido defendida com sucesso.
Há quatorze anos foi aprovada a Proposição de Lei que o deputado Joan Herrera (IC-Verdes) apresentou em 25 de junho de 2008, recolhendo as duas propostas que haviam sido apresentadas antes, no Congresso dos Deputados, pelo deputado Francisco Garrido (PSOE – Verdes) em 2005 e 2006, e que o Parlamento das Baleares tinha aprovado em 2007. José Luís Rodríguez Zapatero não o ratificou dentro do prazo, apesar de ter sido uma iniciativa do seu partido, que anunciou publicamente o seu apoio a Herrera e que todos os pontos da proposição foram aprovados por unanimidade ou por maioria absoluta. Perdemos uma grande oportunidade de fazer história como país. A liderança poderia ser assumida agora, e com sucesso garantido, por qualquer parte, especialmente com algumas mudanças na formulação e argumentação filosófica que Los Derechos de Los Símios explica. E a Lei dos Grandes Primatas que o Ministério dos Direitos Sociais e a Agenda 2030 nos prometeram também poderia ser criada diretamente.
Desde que começamos esta marcha com o Projeto dos Grandes Primatas España em 1998, a necessidade dessa lei ficou muito clara. Para começar, na Espanha não existe sequer uma lei que proíba a posse privada de hominídeos. Por isso, tivemos que travar longas batalhas legais para resgatar macacos que as pessoas têm escondido em suas casas, sem assistência veterinária, às vezes sem dentes para não morder e até sem dedos, devido à automutilação, seguida de infecção, que pode gerar dor mental intensa e contínua.
Às vezes levamos dois anos para conseguirmos resgatar um indivíduo de uma jaula imunda, porque como não são animais domésticos, agrícolas, de laboratório, ou da fauna nativa, ou vêm de um país estrangeiro, os macacos permaneciam em uma espécie de terra legal e não poderíamos apelar para a legislação que dá alguma proteção a esses grupos. Agora, graças à Direção Geral dos Direitos dos Animais (DGDA), as coisas melhoraram e há uma nova definição legal de “doméstico” que poderíamos tentar aplicar.
Mas é absurdo que para defender seres com capacidades de crianças humanas de dois a três anos tenhamos que insistir que são “animais domésticos”, quando o problema é justamente a aberração de ter um hominídeo como animal de estimação ou animal doméstico. Agora que há quem proponha a não extinção dos neandertais ou dos denisovanos, seria absurdo se, para defendê-los, fosse necessário dizer que são animais domésticos. Eles não são animais de estimação, nem deveriam ser. São tribos que devemos proteger do massacre e da extinção nas mãos de carrascos como as máfias do coltan e do azeite de palma, bem como daqueles que os caçam para vendê-los como animais domésticos.
Por todas essas razões, é importante que você escreva uma carta ao DGDA em favor de uma Lei dos Hominídeos ou Grandes Primatas, e envie para direccionpgransimio@gmail.com. Faça história. Seus primos primatas precisam de você.
Fonte: https://www.eldiario.es/caballodenietzsche/grandes-simios-derechos-animales_132_9284636.html