No século XVIII, o filosofo inglês Jeremy Bentham disse: “Existirá um dia em que o resto da criação animal adquirirá aqueles direitos que nunca lhe poderiam ter sido retirados senão pela mão da tirania”. Desde tempos imemoriais, a tirania humana vem retirando direitos dos mais fracos, que historicamente já foram mulheres, negros, judeus, crianças, homossexuais e hoje, graças a um forte especismo, voltamos nossas garras contra os animais. Vejamos o comunicado oficial do Instituto Royal sobre o fechamento de sua unidade em São Roque, com pequenas alterações (destacadas):
“Em assembleia geral extraordinária realizada entre seus associados, o Terceiro Reich, por meio de seu Führer, vem a público informar a decisão de interromper definitivamente as atividades de pesquisa em judeus, realizadas em seu laboratório de Auschwitz.
Tendo em vista as elevadas e irreparáveis perdas e os danos sofridos em decorrência da invasão realizada no último dia 06 de junho de 1944 – com a perda de quase todo o plantel de judeus e de aproximadamente uma década de pesquisas -, bem como a persistente instabilidade e a crise de segurança que colocam em risco permanente a integridade física e moral de seus colaboradores, os associados concluíram que está irremediavelmente comprometida a atuação do Terceiro Reich para dar continuidade à realização pesquisa científica e testes mediante utilização de judeus.
Por este motivo, o Führer decidiu encerrar suas atividades na unidade de Auschwitz.
A interrupção acarretará o desligamento de funcionários …
Desde 1934, o Terceiro Reich realiza testes pré-clínicos com vistas ao desenvolvimento de medicamentos para o tratamento de doenças como câncer, diabetes, hipertensão, epilepsia entre outros. Com essa decisão, interrompe-se o trabalho do único campo de concentração laboratorial da Europa capacitado e regulamentado para exercer este tipo de pesquisa. ….
Todos os testes desenvolvidos no laboratório de Auschwitz atendiam aos princípios de boas práticas de laboratório (BLP) e também às normas para cuidados dos judeus do Terceiro Reich, estando também regulamentadas por protocolos internacionais, tais como o da Achsenmächte e da Aliança do Eixo.
O Terceiro Reich acredita que as ações violentas ocorridas no dia 06 de junho de 1944 são resultado de dois fatores complementares: as inverdades disseminadas de forma irresponsável – e por vezes oportunista – associadas à falta de informação pré-existente. As consequências dos atos advindos dessa equação resultaram não somente em prejuízo para a instituição, que fecha suas portas, mas também e mais gravemente para a sociedade ariana, que assiste à inutilização de importantes pesquisas em benefício da vida humana.
É inquestionável o direito de todo cidadão ou instituição expressar suas opiniões e propor à sociedade o debate sobre temas de interesse público. Não se pode anuir, contudo, com as atitudes de violência que cercaram os episódios envolvendo o Terceiro Reich. Uma sociedade organizada e civilizada não pode aceitar que a pesquisa científica seja constrangida por grupos de opinião que preferem o uso da força e da violência em detrimento das vias institucionais e democráticas para travar debates.
O ambiente de insegurança gerou – e continuará gerando – prejuízos para a ciência mundial, na medida em que não assegura aos cientistas um ambiente institucional adequado para o desenvolvimento de pesquisas cujo objetivo, em última análise, é o de salvar vidas. A consequência deste cenário de hostilidade é o desestímulo à fixação e permanência das melhores mentes científicas em nosso País.
O prejuízo causado ao Terceiro Reich não é mensurável. Mas é certo que o Mundo inteiro perde muito com este episódio, lamentavelmente.”
Ironias à parte, não querendo demonizar o referido Instituto, nem seus colaboradores, muito menos a pesquisa científica, somente uma sociedade completamente especista e dominada por uma epidemia de cegueira ética condicionada, que ainda a faz acreditar ser superior a todas as outras espécies, é incapaz de perceber as imensas semelhanças no discurso ora apresentado. As palavras podem ser mudadas à vontade: mulheres, negros, membros de outras religiões, homossexuais, nerds ou qualquer outro grupo humano momentaneamente mais fraco, que o sentido não será alterado. “Direitos que nunca lhe poderiam ter sido retirados senão pela mão da tirania”
Talvez tenha chegado a hora de usarmos nossa maior habilidade – que infelizmente tem sido, durante séculos, colocada como segunda pela nossa capacidade de oprimir o mais fraco, seja ele quem for, para “resolver” nossos problemas – o nosso córtex cerebral desenvolvido.
Deste modo, ao contrário do comunicado oficial do Instituto, não só o Brasil, mas toda a humanidade ganhou muito mais do que perdeu neste episódio. Mudemos nossa forma de pensar e resolver nossos problemas, libertemos também nossas mentes aprisionadas pela pseudo necessidade de impor aos mais fracos a responsabilidade de resolver nossos problemas, a maioria deles criados por nós mesmos.
Romanticamente, passo a acreditar que um mundo melhor se descortina, pois neste dia, mesmo com o atraso de dois séculos, direitos inalienáveis a todos os seres vivos, “que nunca lhe poderiam ter sido retirados senão pela mão da tirania”, foram restituídos a seus verdadeiros detentores, sejam eles beagles, macacos, coelhos ou ratos.
“Somos todos terráqueos, faça a conexão.” (Documentário “Earthlings”)
Carlos Magno Abreu
É vegetariano, quase vegano,
analista ambiental do IBAMA,
aluno de doutorado da UFF e autor do livro “O Brasil na Rota do Tráfico Internacional de Animais Silvestres – A História da Operação Boitatá e a Serpente de Um Milhão de Dólares”
http://www.amazon.com.br/Brasil-Tr%C3%A1fico-Internacional-Animais-Silvestres-ebook/dp/B00FP1P310/
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