O enigma dos chimpanzés
postado em 11 set 2012

Rodrigo é um menino surdo-mudo carioca, cursando a oitava série. Um dia visitava o Zoológico do Rio de Janeiro, a contra gosto, já que odiava olhar animais prisioneiros, porém, era uma tarefa da aula de ciências.

Com este diálogo surpreendente, começa este pequeno livro, de 61 páginas, sob o título "O enigma dos chimpanzés", que mostra, numa ficção bem elaborada, o que sofrem nossos irmãos primatas em mãos de pseudo cientistas, em laboratórios de experimentação médica.

"O MISTERIOSO CHIMPANZÉ

 Cientista, corre aqui!
Quem estava me chamando era o Paulinho "Funk", um baixinho gozador que se intitulava "rei dos bailes suburbanos".
Ele e o resto da turma estavam amontoados na frente do cercado dos micos. Embora fosse proibido, jogavam pedaços de lanche para os bichos, divertindo-se com a brigalhada e a algazarra dos macaquinhos pela posse das migalhas.
  Veja – disse Paulinho "Funk" apontando para a última jaula da ala dos macacos.
Um chimpanzé adulto, de olhos tristes e profundos, estava sentado sozinho no chão de cimento, alheio a tudo.
   Ele sabe fazer sinais igualzinho a você   riu Maria Lúcia, a garota mais chata da sala.
   É verdade – emendou Paulinho, ao mesmo tempo que começava a agitar as mãos em frente da jaula, imitando os meus gestos desajeitadamente.
Para minha surpresa, o chimpanzé levantou os olhos para o meu colega, observando-o atentamente, como se estivesse querendo decifrar a estranha mensagem. Acercando-se da grade, sacudiu a cabeça, dando mostras de não estar entendendo nada.
Foi então que aconteceu algo fantástico.
O bicho, por incrível que pareça, tentou comunicar-se com o Paulinho, usando a linguagem dos surdos-mudos! Os dedos da mão peluda abriam e fechavam, transmitindo as letras do alfabeto com nitidez.
  Não entendo. Quem é você? perguntou o chimpanzé, quase me fazendo cair para trás.
  Viu? – disse Paulinho.   O que ele está dizendo?    perguntou com ar de zombaria.
  Não está dizendo nada – respondi com extrema dificuldade. _ Os chimpanzés gostam de imitar as pessoas, é só isso – despistei, mal contendo o nervosismo e a emoção.
  Não falei? _  gozou Maria Lúcia.   Só faltava essa. Macacos que sabem falar.
  É mesmo   concordou Paulinho.   Vamos embora. A turma já desceu   disse, puxando a loirinha pelo braço.
Fiquei alí, estático, não conseguindo acreditar no que tinha acabado de presenciar. O chimpanzé voltou a sentar-se, os ombros encurvados, como se fosse um velho cansado da vida.
Não havia mais ninguém por perto agora. Tomando coragem, estiquei o braço e bati de leve na grade. O bicho virou o rosto quase humano para mim. Os olhos inteligentes encarando-me fixamente.
  Meu nome é Rodrigo. Quem é você?   perguntei, usando somente as mãos.
O olhar do chimpanzé iluminou-se subitamente de alegria. Num salto, pôs-se de pé e respondeu com gestos claros e precisos:
  Me tira daqui.
Eu não estava sonhando. O chimpanzé sabia a linguagem dos surdos-mudos! Devia ter aprendido com alguém;
  Quem lhe ensinou a usar os sinais? _ perguntei de novo.
  Mulher cabelos longos   respondeu, colocando as mãos na cintura para mostrar até onde ia o comprimento.
  Como é o nome dela?
  Jo-a-na _ soletrou.
  Onde?
   Lugar muitas jaulas.
  De onde você veio? _ perguntei ansioso.
  Casa grande com gente ruim. Perto gigante de pedra   explicou, imitando a imagem do Cristo Redentor.
Nesse instante, nossa conversa foi interrompida pela chegada da professora.:
  Rodrigo, Rodrigo. Está na hora de ir embora. Só falta você. Vamos logo   chamou, retirando-se apressada como sempre.
  Adeus. Eu venho amanhã  —  falei, despedindo-me do chimpanzé.
   Vem?   indagou com um olhar triste aflito.
  Sim.
Na volta, sentei-me no último banco. Meu coração palpitava adoidado. E agora? Não podia contar aquilo pra ninguém. Iam cair na minha pele e me chamar de maluco. Por enquanto, tudo tinha que ser mantido em segredo. (…)"

O relato se converte numa aventura em que o surdo-mudo Rodrigo, um biólogo recém-formado, Fernando, e uma índia (meio brasileira e meio boliviana) de nome Joana terminam num centro de experiências médicas perto de Santa Cruz da Serra, na Bolívia, onde dezenas de chimpanzés bebês são testados com várias doenças e outros são treinados para serem usados no tráfico de cocaína.

O plano macabro é desmascarado pelos três jovens, que fogem para o Brasil, no Trem da Morte, de Santa Cruz, na Bolívia, à Puerto Suarez, na fronteira com Mato Grosso.

O autor da narrativa, Rogério Andrade Barbosa, já tem mais de uma dezena de livros publicados, a maioria dirigida ao público jovem. Rogério confessa que se inspira, para seus relatos, nas experiências vividas em suas viagens pelo mundo; nesta oportunidade foi na viagem no Trem da Morte Boliviano e no trabalho da primatóloga Jane Goodall, com os chimpanzés na África.

Este livro foi editado em 1993, mas mantém-se atual até hoje, mostrando que os zoológicos evoluíram para pior e as práticas da corrupção e tortura, misturadas com a política indecente, ainda permeiam todos os cantos de nossa sociedade.

Dr. Pedro A. Ynterian
presidente, Projeto GAP Internacional

Referência: O Enigma dos Chimpanzés, de Rogério Andrade Barbosa, Editora Moderna, São Paulo, 1993.