O caso do Macaco Chico: Libertas Quae Sera Tamen?
postado em 20 ago 2013

Diz a canção de Cartola: “Quero assistir ao sol nascer; Ver as águas dos rios correr; Ouvir os pássaros cantar; Eu quero nascer; Quero viver…; Deixe-me ir; Preciso andar”…
Poucos dias atrás, no interior de São Paulo, um macaco-prego chamado Chico, que por 37 anos viveu amarrado pelo pescoço a uma corrente, foi retirado da casa de sua “dona” pela Polícia Ambiental. Segundo a inconsolável senhora, retiraram-lhe um pedaço, pois Chico era tratado como um filho, fato confirmado pelos vizinhos.
Nesse caso de “amor interrompido” entre Chico e sua humilde e simpática algoz, ainda havia, como era de se esperar, uma alimentação totalmente inadequada e, não menos importante, o isolamento total do convívio com seus semelhantes, pois macacos são animais extremamente gregários, que vivem em bandos com dezenas de indivíduos e tem uma vida social intensa.
Porém, criar um filho completamente isolado, mal alimentado e acorrentado em um espaço ínfimo por toda a vida, não chega a ser algo que uma mãe amorosa deva ser orgulhar.

Assim, devido aos torturantes anos em que Chico viveu isolado de seus semelhantes e acorrentado em um estreito corredor, ele não poderá ser devolvido à floresta, seu ambiente natural e foi encaminhado a um Santuário. Lá, embora ainda confinado em um viveiro, que é bem maior que o local onde passou suas ultimas décadas, Chico recebe alimentação adequada e desfruta do agradável contato com outros macacos?prego, igualmente incapazes de serem soltos, pois também foram vítimas de isolamentos, correntes e jaulas, que lhes foram impostas pela tirania de nossos semelhantes. Aparentemente as angustias do cativeiro rapidamente os conectou e Chico já está socializando com sua nova, e desta vez real, família.
Contudo, mesmo com esses cenários antagônicos, criou-se a contenda filosófico?judicial, o que fazer com o Chico?
Em minha opinião, não há qualquer duvida ou celeuma. A resposta é óbvia e simples: se há correntes, e no caso havia, gaiolas, grades, ou qualquer outra forma de contenção forçada, e elas sempre existem, caso contrário, o citado convívio harmonioso entre o algoz e sua vítima sequer existiria, que as correntes sejam quebradas! Que as jaulas e os grilhões sejam todos destruídos!
Alguns argumentam que Chico está perto do fim de sua amargurada e incompleta vida, portanto o correto seria devolver-lhe à sua antiga e amorosa “dona” para que nesse pouco tempo que ainda lhe resta, ele possa desfrutar de seu corredor estreito e de suas correntes! Sozinho! Mais uma vez privado do convívio com seus semelhantes.
E se fosse você? Escolheria passar seus últimos dias isolado e acorrentado ao lado de seu amistoso algoz ou escolheria a liberdade e o convívio com seus semelhantes? Pois é, igual consideração de interesses! “Eu quero nascer; Quero viver…; Deixe-me ir; Preciso andar; Vou por ai a procurar; Rir pra não chorar”. Embora Chico não possa se comunicar com clareza conosco, tenho absoluta certeza de que este seria o seu cantar!
Enquanto de forma antropocentrista sequer aventarmos que o cativeiro de animais silvestres pode, de alguma forma, ser agradável e feliz para animais solitários, mal alimentados e acorrentados, desde que estes recebam um carinho vez ou outra, não há de se estranhar que membros do legislativo criem leis com penas brandas para crimes contra a fauna. Não há de se estranhar que membros do executivo demorem sobremaneira para atender a denuncias de cativeiro de animais silvestres, pois o mesmo é considerado insignificante. Não há de se estranhar que delegados não prendam traficantes de animais silvestres, e quando o fazem, que juízes os soltem em poucos minutos, pois consideram ser este um crime de baixo poder ofensivo. Não há de se estranhar que quando a soltura não é mais possível, sejam emitidas decisões liminares para devolução dos animais aos seus antigos cativeiros, mesmo que existam opções muito mais adequadas, como no caso em tela.
Ou nos libertamos dessas amarras culturais especistas que remontam à “Era das Trevas” e nos fazem ainda aceitar a prisão perpetua e solitária de seres sencientes inocentes, pelo simples fato deles não pertencerem à nossa espécie, ou esse cenário medieval e absurdo no qual vergonhosamente nos encontramos perdurará por mais alguns séculos.
“Liberdade, ainda que tardia”! Mesmo que por pouco tempo! Mesmo que por um instante apenas! Mesmo que parcial! Sem correntes! Sem grilhões! Sem isolamento! Liberdade! Sempre liberdade! Custe o que custar!
Alterações culturais e legais para efetivamente se impedir que qualquer animal silvestre seja aprisionado, de qualquer maneira, em qualquer lugar, devem ser rápida e veementemente buscadas por todos nós, pois essa é uma guerra de todos nós. Somos todos vítimas e todos culpados. “Pra que o mal triunfe, basta que o homem bom não faça nada” (Edmund Burke).
Mas, ao contrario do que foi dito, Chico ainda não morreu, ainda não é uma carcaça e, portanto, merece uma vida digna, mesmo estando “com os dias contados”, quem de nós não está? Sua tardia liberdade também não é um “troféu indigno”. Cada pequena vitória, cada vida inocente e cativa à qual se restitui a liberdade e ao convívio com seus semelhantes, deve ser celebrada! Menos um inocente atrás das grades! Cada soltura de cada animal silvestre aprisionado deve ser celebrada! Cada corrente quebrada deve ser celebrada! Cada gaiola ou jaula destruída deve ser celebrada! Quem sabe assim chegaremos um dia às tão sonhadas “Jaulas Vazias” de Tom Regan e à total e irrestrita “Libertação Animal” de Peter Singer. Somente assim deixaremos de ser especistas e nossa vitória será completa.

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