por Alejandra Juarez, de Córdoba, Argentina
Quando se leva anos trabalhando com animais e especialmente com primatas, “aqueles … grandes e pequenos …”, todos os dias você se surpreende e aprende novas coisas. No meu caso, saio pouco e quase nunca viajo, até agora … O fato de ter conseguido manter os Carayás (bugios) livres e trabalhar há mais de 20 anos com eles faz com que seja difícil que me agrade visitar outros locais com animais. Tenho sido muito critica e pouco conformada, sempre acho que falta alguma coisa ou seria necessário fazer algo mais.
No meu início no zoológico, meu primeiro amigo “não humano” foi Silvio, um chimpanzé com o qual estabeleci um vínculo durante muitos anos, até que situações humanas nos separaram. Porém, também junto com ele, estiveram outros como Nenita, Coco, Yeni, grandes pessoas com as quais interagi e que amei.
Nesses anos não chegava em nosso país informação sobre os trabalhos com os grandes símios, como o de Jane Goodall, de forma que minha amizade com eles foi instintiva e naturalmente. Não podia comentar o que sentia nesses momentos, nem o que enxergava em sua forma de ser e na atitudes destes “homenzinhos peludos”, porque se o fazia me olhavam como uma louca. Porém, quando começou a chegar informação e resultados dos estudos de campo como o de Jane Goodall, Dian Fossey ou Birute Galdikas, me senti aliviada e não me sentia como “uma pessoa rara neste mundo” … Com essa sensação, que era a realidade dos chimpanzés, comecei com os Carayás, e foi quase sem querer.
Ainda assim, o que eu acreditasse ou enxergasse era somente para nós, que trabalhávamos diariamente com eles.
Logo que fui designada representante do GAP ou Projeto Gran Símio em nosso país, fui convidada a ir à Sorocaba, no Brasil, onde se encontra a sede internacional do GAP e o maior Santuário de chimpanzés. Este convite era como um prêmio para mim e esperava com ansiedade por esta viagem, mais ainda quando teve que ser postergada por problemas climáticos.
Olhava fotos, vídeos, porém não imaginava o que iria encontrar neste lugar, que me permitiria um re-encontro com meu passado mais puro, com meu início com os animais. Não que minha relação atual não seja pura, mas através dos anos e diante de tanta resistência enfrentada, deixamos entrar o cientificismo, para que pelo menos nos levem a sério, e, cansada de tanta injustiça, mudamos sem desejá-lo em nossas relações e tratamento original com estes seres.
Na realidade, o que desejo relatar é o que vivi nesses dez dias na “cidade dos chimpanzés”, que assim considerei designar aquele centro, já que assim é.
Assusta-me viajar, porém me agrada, sei que deixo muitas obrigações para trás, mas entendi que esta viagem era meu momento.
Esperava-me no aeroporto de São Paulo, Miguel, que é argentino e cordobês, e isso me deu maior confiança. Logo ao sair do aeroporto pegamos a estrada durante uma hora até chegar à Sorocaba. Ingressamos por um caminho de pedra até um portão automático e na entrada tinha um cartaz do GAP.
Minha primeira impressão foi como de uma grande cidade entre muralhas. Claro que dentro dessas muralhas viviam em amplos, em muitos amplos espaços, seres maravilhosos, que ao passear pelas ruas internas e através das janelas que possuem as muralhas, te mostravam as mãos, te faziam sinais muito simpáticos, atraentes, gestos como os nossos de “vem, fica mais perto”. Eu estava magnetizada, não podia acreditar no que estava vendo.
Ali estavam me esperando Pedro Ynterian, um homem que só tinha visto em fotos e vídeos, muito simpático, e com uma aparência de patriarca, e ao seu lado, Vânia, sua esposa, serena, charmosa e muito doce.
Nesses dez dias senti que estava imersa num local de felicidade para chimpanzés, onde tudo, absolutamente tudo, gira em torno dos chimpanzés. Hospedei-me na habitação da casa, sem saber que, pela noite, durante os primeiros dias, receberia as patadas na parede do meu quarto de Guga e Emilio, já que eles estavam do outro lado. Eu era uma intrusa em seu mundo.
Para alguém protetora ou conservacionista como eu, isto era o máximo que podia acontecer, mais ainda conhecer a intimidade do lugar e falar com pessoas abertas, com um mesmo idioma, onde as experiências ou forma de ser não se medem com cálculos, fórmulas ou de outras formas.
Ao ver Pedro caminhar entre os chimpanzés com serenidade, me emocionava. Quando percebia o olhar de “admiração, amor” vindo de Guga para ele, senti que estava em outro planeta, ou em um mundo “ao contrário” …. Ver Billy contar com seus dedos até cinco, e ver, ver, ver … o que lá acontecia e como faria para transmiti-lo quando voltasse.
Conheci e vivi o ideal de qualquer conservacionista ou protetor. Não me deixo impressionar rapidamente, porém aqui não tinha nada que criticar nem acrescentar. Está tudo.
No ano passado, na revista Muito Interessante, foi publicada uma matéria “As damas dos primatas”, onde se fazia menção a história de várias mulheres que têm trabalhado e trabalham com chimpanzés, gorilas, orangotangos, etc. Mas agora é realmente conhecido não somente o presidente do GAP, mas o “cavalheiro dos chimpanzés”, Pedro Ynterian.
Um homem de negócios, empresário, com uma história apaixonante desde jovem, cubano e que de repente se converte em colecionador de animais, o que era muito comum no passado. Depois passou a ser um homem que dá sua vida pelos chimpanzés do Santuário de Sorocaba, e, vale mencionar, que também ajuda santuários Norte-Americanos e outros, assim como ajudou a promover a criação de outros três santuários no Brasil.
No Brasil todos os chimpanzés de circos foram resgatados e vivem dentro dessas “muralhas” de forma muito, muito feliz. Pedro conta que lhe veio o “clic” a partir de Guga, que foi a inspiração da criação do Santuário.
Lamentavelmente, me roubaram todos os materiais filmados e fotografados do Brasil, conservo o que coloquei no Facebook, porém de forma improvisada e para meu círculo, com as reportagens que fiz de Pedro, onde ele conta seus inícios. E fiquei impressionada quando lhe perguntei o que é para você um chimpanzé? E me respondeu: “Um homem primitivo”. Realmente assim também o creio e biologicamente está muito perto. Pedro tem autoridade para esta definição. Não é cientista, não os observa passivamente na natureza, mas cuida dele, os atende e passa seu tempo com eles há muitos anos e são mais de cinqüenta chimpanzés.
As tardes de bate papo com Pedro eram para mim muito aguardadas, pois estava frente a um verdadeiro sábio. E de que falávamos? Destes “homenzinhos peludos”, de cada anedota, de cada experiência e como enxergava o futuro com desesperança para os chimpanzés selvagens.
As muralhas do Santuário substituíram as cercas eletrificadas dos tempos iniciais, porque os chimpanzés aprenderam a cruzá-las utilizando cobertores, galhos, madeiras, isolando-se da eletricidade. Pedro, atualmente, continua investindo seu dinheiro nos chimpanzés e fala “quando um homem decide investir seu dinheiro em benefício de outra espécie, é porque tem cruzado o umbral …” Eu pessoalmente acredito que lhe aconteceu algum tipo de iluminação.
De sexta a segunda-feira Pedro se dedica por completo aos chimpanzés, os demais dias à sua empresa.
Às 5 da manhã começa sua rotina preparando as delícias dos chimpanzés, dorme a siesta ao lado de Guga e Emilio, que o esperam e desfrutam.
Quis contar isto. É real e existe gente assim.
E quando um pode observar o que sucede na cidade dos chimpanzés, recupera a confiança e entende a necessidade de juntar-se a uma causa no coração e na ação.
E como fala Vânia, “Quando um começa o caminho da conservação, de forma comprometida, não tem volta”.
Quando fala da grande casa “que foi” e hoje é o centro do Santuário, Vânia acrescenta: “esta era minha casa, hoje é a casa deles, dos chimpanzés.”
Apaixona-me ir com Vânia nos recintos dos chimpanzés e ver a ternura com a qual ela lhes fala e lhes ensina. Muito da intelectualidade dos chimpanzés de Sorocaba se deve ao trabalho dela. Vânia me explicou que devemos “ajudar os chimpanzés em sua evolução”, sendo óbvio que o mundo tenta impedir essa evolução.”
Hoje os chimpanzés do Senegal se refugiam em cavernas, usam espécies de lanças para caçar, existem culturas diferentes entre eles e, como fala Pedro, chegará o dia em que alguns começarão a falar … São os chimpanzés urbanos, como todos os que deixaram de viver em liberdade e se tivessem que escolher, ficariam com as comodidades urbanas. Pedro me conta que quando eles têm tido a oportunidade de fugir aos bosques próximos, todos têm regressado. Pedro e outros começaram um movimento de mudanças, de um entendimento mais humano, e um caminho que está em seus inícios, porém que devemos difundir e participar.
Sinceramente me alarma “conviver” entre seres que já são urbanos, me perturbam seus conhecimentos e sua intelectualidade. Não posso aceitar que existam chimpanzés em cativeiros obsoletos, é uma loucura, é o que se faziam com os escravos.
Esta viagem me abriu muito a cabeça, lembrei de meus começos e senti que fiquei com meus ancestrais durante as 24 horas do dia dos 10 dias.
Chorava em silêncio quando Pedro me contou a história de um dos chimpanzés que, para estender os dias de trabalho, tinha sido castrado. Ou como muitos outros que lhe tinham arrancado seus dentes e o caso daquele que, como isso não era suficiente, cegaram seus olhos com água fervente, deixando-o cego. Este chimpanzé foi recentemente operado por uma equipe médica e recuperou a visão de um olho. Pedro conta como foi o momento que ele começou a enxergar e conseguiu distinguir um gatinho, que até esse momento, só escutava seu som, ou que já não necessitava andar de mãos dadas para caminhar pelo recinto. Foi comovedor quando Samantha deu à luz e envolveu sua pequena num cobertor, deixando-a aos cuidados de Pedro, numa atitude calculada.
Durante muitos anos o Brasil foi um território onde reproduzir e vender chimpanzés era normal. As mães estavam acostumadas a que seus filhos lhes fossem arrancados ainda bebês para serem vendidos. Pedro acabou com esse horror, situação esta que colocou em risco sua vida em várias oportunidades, inclusive saindo com vida de um atentado, porém ele continuou com sua luta e continua.
Desejo lembrar o caso, não faz muitos anos atrás, de um dos chimpanzés que tinha participado de um programa de aprendizado da linguagem dos surdos e mudos, e terminou num laboratório de experimentação científica. Anos mais tarde, quando Roger Fouts visitou aquele local, um dos chimpanzés se lembrou dele e na linguagem dos sinais lhe pediu “Roger, por favor, tira-me daqui …” Isto é estremecedor.
Penso, o que temos feito e fazemos com estas criaturas? Nossa passividade nos transforma em cúmplices? Sinto que Pedro carrega sobre suas costas a culpabilidade de toda a humanidade pelas atrocidades infringidas nestas criaturas.
Comprometo-me com a causa do GAP, mas principalmente com a causa do Pedro, e convido todos a se envolver nesse caminho.
Obrigada! Ao Pedro e Vânia, por correr este difícil caminho, porém cheio de grandes verdades.
Obrigada! Ao Guga, Emilio, Cláudio, Samantha, Billy Jr., Noel, Carlos por ter ensinado ao Pedro o caminho a ser trilhado.
Obrigada! Ao Victor, Dolores, Carolina, Jango, Lucke, Leo, Pongo, Caco, Alex, Billy e outros por iluminar a Pedro para continuar com esta luta e tê-lo ajudado a quebrar a barreira das espécies.
Obrigada! A Sofia, Sara e Suzi. Com seu nascimento, podemos vislumbrar um futuro de esperança para os chimpanzés.
E obrigado por ter-me permitido compartilhar isto!
Ver as fotos e o texto original aqui
Notícia relacionada:
https://www.projetogap.org.br/pt-BR/noticias/Show/4198,o-reino-de-alejandra