Massacre de Grandes Símios
postado em 30 out 2006

Exclusivo: A conexão do Cairo. Como o tráfico e a morte florescem. De Anton Antonowicz (tradução Projeto GAP, Brasil). 13 Outubro 2006

Devagar a serra elétrica vai penetrando na base de uma árvore gigante na floresta africana. Nós não podemos ouvi-lá, porém sabemos que acontece diariamente.

Algumas semanas mais tarde, um homem dispara na clareira aberta. Novamente, não podemos escutá-lo.

O primeiro disparo do caçador mata o gorila fêmea. Seu segundo abate o macho que sabe tratará de ataca-lo.

O caçador faz uma pausa, recarrega sua arma e procura pelo macho jovem que está por perto e também o abate. Os bebês podem agora ser deixados vivos para a venda, os adultos serão a carne de caça.

Desmatamento, Caça, Morte, Lucro. É o resultado da extinção dos parentes mais próximos dos seres humanos, os grandes símios africanos – chimpanzés, bonobos e gorilas.

Desde a abertura das florestas africanas as companhias madeireiras da Europa e Ásia, o consumo tradicional de carne de caça selvagem na África Central tem explodido. O que era subsistência agora é um negócio destrutivo e gigantesco.

Se não controlado, a velocidade da matança de grandes símios levará a extinção destas espécies em poucas décadas. E o que será daqueles deixados vivos?

Faz uma década que este jornal lançou uma campanha para acabar com o tráfico. Começou quando eu viajei à República dos Camarões, uma nação classificada como “a mais corrupta na face da terra” pelo Environmental Defense Fundo (EDF).

Na companhia do fotógrafo Karl Amman, eu presenciei a chegada de trens em Yaounde, a capital. O trem parava 1 km antes do fim da linha e descarregava três toneladas de carne diariamente. Nenhum policial estava presente, só uma turma de macheteros (homens com grandes facões) que ordenavam a todos não olhar para o que se fazia. Nós paramos e comemos no Hotel Le Ranch e encontramos dois bebês chimpanzés em uma caixa de madeira. Um pouco mais atrás perto de uma lata cheia de moscas, uma caixa de papelão de whisky, marcada como “frágil”, dentro dela sob um tapete pestilento, havia um bebê gorila de um mês de vida.

O gerente do Hotel me ofereceu por 300 libras esterlinas. Eu o ignorei. Ele não se importou. Existiriam dezenas de outros dispostos a pagar este preço. E ainda existem.

Durante o ano passado, Karl e eu temos feito a viagem pior que existe, desde Camarões a Nigéria, daí a Kenya até o Egito.

A história começa no fim de janeiro de 2005, quando seis chimpanzés – com um valor de mercado negro de 10,750 libras esterlinas cada um – foram confiscados no aeroporto Jomo Kenyatta, no Kenya. O embarque, dissimulado como um embarque de cachorros, tinha começado sua viagem desde Kano, na Nigéria até Khartoum, no Sudão. Não foi aceito no Cairo e foi direcionado para Nigéria de volta, porém as autoridades do Kenya o interceptaram antes.

Um chimpanzé morreu e outros cinco, famintos até o limite de comer suas próprias fezes, foram levados a um centro de resgate de um conservacionista norte-americano que cuida deles (chimpanzés vivem 50 anos, o conservacionista poderá gastar um milhão de dólares para mantê-los durante toda a vida).

Quando não existe um centro de conservação, os animais são mortos. Por exemplo, em 2001 fiscais do aeroporto egípcio descobriram um embarque de produtos químicos que continha um chimpanzé e um gorila. Isto provocou um escândalo internacional e uma declaração da autoridade CITES (Convenção Internacional das Espécies Ameaçadas de Extinção, de que o Brasil também é signatário), que isto não aconteceria novamente, com uma ameaça de processar os traficantes. Palavras vazias.

Ambos incidentes estão conectados. Ambos embarques foram enviados por uma mulher de 54 anos de idade de nome Heba Abdel Moty Ahmed Saad. Esta mulher tem cidadania dupla de Nigéria e Egito. Segundo o Professor Samy El Fellaly, um executivo do departamento do meio ambiente egípcio, esta mulher está no negócio de macacos há mais de 30 anos e é a maior traficante da África.

Segundo o regulamento CITES, permissões são necessárias para a importação, exportação e comercialização de gorilas, chimpanzés e bonobos. Também grandes símios capturados na mata não podem sem comercializados.

Heba sabe jogar no mundo da papelada e as normas… “É fácil na África conseguir documentação” relata o Dr. Mohammed Assad, gerente de quarentena do Aeroporto do Cairo. Heba cria um monte de problemas. Quando perguntamos a ela por quê ela tirava estes animais da mata, ela responde que é para salvá-los. Assim o que nós podemos dizer?

Mike Pugh um ambientalista e fiscal da World Society for the Protection of Animals, balança a cabeça, já que ele identificou Heba no mercado de animais em Kano desde 1997. E acrescenta: “Existiam chimpanzés lá que procediam de Camarões, e ela era uma compradora bem conhecida”. Segundo meu estimado “ela estava exportando entre 50 a l00 chimpanzés anualmente e uma dúzia ou mais de gorilas. Ela se destacava nesta atividade”.

Muitos dos animais – se estima um de cada dez sobrevive na viagem – terminam em Zoológicos particulares dos príncipes dos países árabes do Golfo e de homens de negócios. Alguns são importados para experiências médicas. Outros para centros turísticos caros do Egito.

Eventualmente, nossa investigação nos levou a Sharm El Sheik, e a um dos refúgios turísticos mais conhecidos – o chamado Tower Complex, visitado com freqüência por Tony Blair, o ex-Presidente Clinton, o líder egípcio Hosni Mubarak, e que tem como proprietário Gamal Omar.

O zoológico que ele possui fica atrás das vilas dos hóspedes. É seu orgulho e sua jóia. Filmando secretamente, Karl descobriu onze chimpanzés e dois gorilas em gaiolas. “Não tinham um palmo de grama ou uma árvore; só metal e barras” afirma Karl. “É um local miserável e um atentado ao meio ambiente”. O Prof° Fellaly, que é o chefe do CITES no Egito, alega: “Nós sabemos que Omar comprou esses animais no mercado negro, e nós o deixamos mantê-los até decidirmos o que fazer com eles. Essas criaturas têm muita sorte de estar morando lá. É um bom lugar, um santuário reconhecido pelo próprio Ministro. Nós não temos verbas, então os deixamos com Omar”.

É uma clássica decisão do tipo Poncio Pilatos de lavar as mãos e nada fazer. A mesma reação tivemos quando entrevistamos o Dr. Ragy Toma, Diretor de Fauna do Egito. Ele afirma: O que podemos fazer? Confiscá-los? E Colocá-los onde?

Assim, apesar da Lei, o Sr. Omar pode comprar seus animais no mercado negro, mostrá-los para seus hóspedes, conhecendo que ninguém vai importuná-lo, ele é intocável. Também ninguém vai propor repatriar os animais para seu país de origem, como a CITES manda. Assim esta tragédia continua, em países como Egito onde os traficantes como Heba florescem.

Quando confrontada em seu apartamento em um sexto andar de um prédio do Cairo, ela se justifica: “O que posso eu fazer? Eu não tenho fonte extra de dinheiro. Eu tenho três filhas nas Universidades e eu sou uma mulher pobre”. Pouco depois nós a fotografamos deixando sua casa em seu Renault zero KM.

As poucas reações acontecidas as denúncias vieram da Associação Mundial de Zoológicos que cortou todos os contatos oficiais com zoológicos egípcios. Isto significa que nenhum zôo egípcio pode importar animais de zoológicos de boa reputação.

A Convenção CITES tem somente um fiscal vigiando o tráfico de animais. John Sellar que foi um policial britânico anos atrás, declara: “ Se aparecem evidências de animais entrando ilegalmente no Egito, nós então reportamos o caso às autoridades locais. Porém é difícil chegar a algo sem provas”.

Karl pensa que o problema com convenções como a CITES e que depende muito do país hóspede ou signatário “Se esse país é corrupto ou está sendo administrado erradamente, você tem uma situação em que a raposa é deixada para tomar conta das galinhas”.

E dessa forma as leis são ignoradas, as autoridades internacionais preferem olhar em outra direção, e traficantes como Heba podem comemorar ante o mundo com o V da vitória, e os ricos podem exibir seus “troféus animais” para seus amigos.

Enquanto as grandes árvores caem, nossos ancestrais mais próximos gemem no abandono. Sem serem ouvidos.

“Estas criaturas serão extintas em poucas décadas”.

Nota:
Esta matéria originalmente sob o título Slaughter of the Apes, mostra com realismo o terrível drama que acontece na África, e que em muitos casos se estende até o nosso país, onde o sofrimento de dezenas de chimpanzés é ignorado.

Dr. Pedro A. Ynterian
Diretor do Projeto GAP Internacional