A atração de alguns chimpanzés por botas e botinas é algo muito interessante, principalmente entre aqueles que (sobre)viveram em circos. Não sabemos ao certo o real motivo, mas por essa pista, nos leva a suposição de que eles associam as mesmas com o passado. Enfim…
Em uma terça-feira, fui brincar com Luke (9 anos) pela janela de seu recinto. Antes de me assentar, tive a precaução de retirar meus óculos, relógios, rádio e chaves, colocando-os fora de seu alcance.
Após isso, Luke começa diretamente na botina, desamarrando-a, como sempre gosta de fazer. Luke passa o cadarço delicadamente por cada passador e, por fim, retira o calçado. Depois disso, gosta de retirar a meia, expondo nosso pé para que ele faça o grooming. Com o calçado e meias no chão, Luke é pura diversão e, aparentemente, toda sua atenção está voltada para o grooming.
Nesse intervalo de tempo, necessitei colocar meu óculos para poder visualizar um fato distante. No que levantei para pegar o óculos, com o consentimento dele, percebi que a atenção não estava apenas no grooming. Retornando ao local, procuro por minha botina. Onde estará? A meia continuava no chão, mas e a botina? Olho para dentro do recinto e lá estava ela, calçada no pé de Luke. Ele não apenas a calçou, como passou novamente o cadarço nos passadores (ainda que de maneira não tão correta, é verdade), como tentava dar uma laçada.
Minha reação foi estranha, pois me passava na cabeça se mais uma vez eu perderia uma botina, já que Charles havia estragado uma botina praticamente nova, deixando comigo apenas o pé esquerdo. Além do mais, o pé que ficou comigo desta vez também era o esquerdo e não daria nem sequer para pareá-lo com o outro. O que fazer?
Pedi uma vez. Pedi outra vez. Conversei e expliquei que eu não tinha como ficar sem.
Nessas horas Luke praticamente não olhava para mim. Cheguei até fingir que chorava para fazer uma chantagem emocional. Resolveu no início, pois Luke pareceu se solidarizar ao ficar me olhando naquele estado “lastimável”, mas logo eu mostrei que não era um bom ator e ele voltou a me ignorar. Dessa vez foi pior: Luke até se virou de costas.
Decidi então que teria que tentar uma troca. Fui até o escritório e busquei o outro pé (sobrevivente do Charles). Voltei ao recinto e mostrei a ele, perguntando se ele queria trocar. O sorriso foi incrível e imediatamente ele aceitou, devolvendo minha botina velha, com alguns nós no cadarço e com as partes da palmilha que fora retirada. Luke simplesmente adorou a nova botina (eu também gostava muito dela), calçando-a no pé e indo para o cercado, onde passou mais uma boa parte do tempo se divertindo.
Da próxima vez, tomarei mais cuidado, pois não terei (e também não pretendo) outra moeda de troca igual a essa.
Luiz Fernando Leal Padulla
Biólogo
Santuário GAP/Sorocaba
Notícias do GAP 27.12.2007