Lembrando Thoto
postado em 31 out 2012

DE UM CALABOUÇO GELADO À UM LUGAR AO SOL

Ela o achou num calabouço gelado, só e abandonado, com um único cobertor sujo, que lhe servia de cama. No silêncio daquela prisão de cimento e ferro, os gemidos aterrorizantes de 264 companheiros de infortúnio, torturados selvagemente, em “benefício da ciência humana”, assombravam seus dias e noites. A Dra. Carole Noon chorou ao vê-lo e talvez um de seus últimos pensamentos ao morrer prematuramente de um câncer agressivo foi lembrar daquele chimpanzé sem dentes, que chegou a ser famoso em Hollywood, e daqueles circenses que o criaram e um dia, sem remorso, o jogaram naquele calabouço imundo.

Conhecemos os humanos por seus gestos e obras. Thoto é um exemplo da falta de humanidade de muitos seres considerados humanos, que nunca deveriam ter existido.

Thoto foi resgatado pela primatóloga Carole Noon e foi para seu Santuário Save the Chimps, na Flórida, junto com todos seus outros companheiros. Thoto saiu da escuridão, socializou-se com Ron e com Dana, fez outros amigos e um dia deixou para trás o tenebroso passado, rumo a um futuro de sol radiante e céu azul.

A Dra. Jocelyn Bezner acompanhou Thoto em sua viagem de milhares de quilômetros da Fundação Coulston, no Estado de Novo México, atravessando o Texas, Louisiana e uma grande parte da Flórida. Brincou com ele, assistiu a vídeos enquanto Ron dormia, Thoto olhava o mundo através de sua janela, no caminhão especial do Santuário, que já tinha cumprido dezenas de outras viagens, levando seus amigos sobreviventes.

Quando chegou ao Santuário, Thoto não duvidou, colocou seu cobertor novo e cheiroso nas costas, deu um adeus para as câmeras de TV, que filmavam este momento histórico e foi ajeitar-se embaixo de uma árvore na ilha, que foi seu amor a primeira vista.

A viagem de resgate de Ron e Thoto foi registrada num filme premiado para a TV norte-americana, que tem o título “Chimpanzees – An Unnatural History”, do documentarista Alison Argo.

Thoto desfrutou alguns anos de vida feliz, após mais de 40 anos de torturas, solidão e desamparo. Adorava cobertores. Um dia um dos tratadores chegou a contar 52 acumulados em seu ninho. Era um colecionador. Como era também aficionado por sapatos, orelheiras, espaguetes, pizza e óculos de sol. E também mulheres, que preferia, aos homens.

Thoto tinha seu coração debilitado pelas torturas e sofrimentos. Em outubro deste ano, dormiu entre seus cobertores no canto preferido da ilha e nunca mais acordou, semeando a tristeza em todo o Santuário.

A Dra. Jocelyn Bezner, diretora do Santuário, teve um de seus dias mais amargurados. Ela já esperava esse fim, porém, nunca quis aceitá-lo. O coração de Thoto parou de bater e o coração de Jocelyn perdeu seu ritmo, as lágrimas invadiram sua face e se repetia... “farei a paz com minha tristeza porque eu não posso imaginar minha vida sem estes extraordinários chimpanzés. Eu sou abençoada por ter conhecido a todos eles… Adeus doce Thoto…”

Dr. Pedro A. Ynterian
Presidente, Projeto GAP Internacional