“Estudo feito com crianças e chimpanzés mostra que os humanos insistem em imitar mesmo quando isso é inútil.”
Fui a New Haven com uma pergunta martelando a cabeça. Como minha filha tinha se saído em comparação com os chimpanzés? Um mês antes, havia encontrado uma carta da escola com minha filha Charlotte. Era de um formando de Yale pedindo voluntários para um estudo de psicologia. O estudante, Derek Lyons, queria observar como as crianças de 3 e 4 anos aprendem. Fiquei curioso e entrei em contato.Lyons explicou como o estudo poderia lançar luz sobre a evolução.O estudo seria baseado num documento publicado na revistaAnimal Cognition de autoria de Victoria Horner e Andrew Whiten, psicólogos da Universidade de St. Andrews, na Escócia. Eles mostraram a chimpanzés como tirar comida de uma caixa. A caixa era pintada de preto e tinha uma porta e um ferrolho atravessado na parte de cima. O alimento era escondido num tubo atrás da porta. Ao mostrar aos chimpanzés como tirar a comida, os pesquisadores acrescentaram etapas desnecessárias. Antes de abrir a porta, empurraram o ferrolho para trás e deram um pancadinha na caixa. Só depois puseram o ferrolho no lugar, abriram a porta e pescaram a comida.Como os chimpanzés não podiam ver dentro da caixa, não conseguiram descobrir que etapas eram desnecessárias. Como resultado, quando foi dada a caixa aos chimpanzés, dois terços imitaram fielmente os cientistas.Depois, a equipe usou um caixa transparente e isso resultou num comportamento tremendamente diferente. Os chimpanzés puderam perceber que os cientistas estavam perdendo tempo deslizando o ferrolho e batendo na caixa. Foram direto para a porta.Os pesquisadores repetiram a experiência com seres humanos.Mostraram a caixa transparente para 16 crianças. Depois de colocar um adesivo na caixa, mostraram às crianças como retirá-lo incluindo os passos desnecessários. Os cientistas puseram o adesivo de volta na caixa e deixaram a sala. As crianças perceberam com tanta facilidade quanto os chimpanzés que não fazia sentido abrir o ferrolho ou bater na caixa.Mas 80% delas fizeram isso. ‘Foi espetacular’, disse Lyon.Porém, era possível que os resultados fossem conseqüência do desejo de as crianças simplesmente os imitarem. Para verificar até que ponto exatamente ia esse impulso para imitar, Lyons planejou um estudo mais amplo, com cem crianças. Fiquei intrigado. Inscrevi Charlotte, e ela participou do estudo duas vezes.Charlotte não quis falar sobre as experiências, a não ser que foram divertidas. Lyons estava mais ávido para falar. Ele me convidou para dar uma olhada no desempenho de Charlotte no Laboratório de Cognição de Yale.Enquanto viajava para New Haven, senti como se Charlotte acabasse de passar por um vestibular entre espécies. Era bobagem, mas eu esperava que Charlotte mostrasse aos chimpanzés que podia perceber causa e efeito tão bem quanto eles. Um ponto para o Homo sapiens.A princípio, ela percebeu.Lyons pôs um filme no computador no qual Charlotte o ouviu atentamente falar sobre a caixa transparente. Ele se sentou em frente a ela e pediu que retirasse a tartaruga de plástico que acabara de pôr na caixa. Em vez de delicadamente abrir a porta, Charlotte agarrou toda a parte da frente, rasgou para abrir as suas abas de velcro e arrancou a tartaruga. ‘Peguei!’ Um chimpanzé poderia ter feito melhor, pensei.Mas, no segundo encontro, as coisas mudaram. Dessa vez, Lyons fez com que uma caloura mostrasse a Charlotte como abrir a caixa. Antes, a caloura deslizou o ferrolho para trás e deu um tapinha desnecessariamente.Charlotte imitou. Ela não mais rasgou a caixa. Quase pude ouvir os chimpanzés vaiando.Barnes mostrou a Charlotte outros quebra-cabeças e ela o imitou fielmente. Quando os filmes terminaram, eu não sabia o que dizer. ‘Ela é bem típica da sua idade’, disse Lyons. Tendo observado cem crianças, ele concorda com Horner e Whiten que elas realmente imitam.Lyons encara esses resultados como um indício de que os humanos já vêm programados para aprender por imitação, mesmo quando é evidente que essa não é a melhor maneira de aprender.Se ele estiver certo, isso significa umagrande mudança evolucionária dos nossos ancestrais macacos. Outros primatas são ruins de imitação. Quando observam outro primata fazendo algo, parecem se concentrar em quais são os objetivos e ignorar suas ações. À medida que os ancestrais humanos começaram a fazer ferramentas complicadas, descobrir os objetivos talvez não tenha deixado de ser suficientemente bom.Os hominídeos precisavam de uma forma para registrar automaticamente o que os hominídeos faziam, mesmo que não entendessem as intenções por trás.Não faz muito tempo que muitos psicólogos pensavam que a imitação era uma ação primitiva em comparação com a descoberta das intenções dos outros. Isso está mudando. ‘Talvez a imitação seja muito mais sofisticada’, diz ele. ‘A imitação está tão entranhada na nossa natureza que quase nunca se sobressai. É preciso criar circunstâncias muito artificiais para perceber isso.’ Dentro de pouco anos, planejo explicar a experiência a Charlotte. Não tem problema perder para os chimpanzés. Na realidade, talvez seja isso que nos torne unicamente humanos. ?
Fonte:http://www3.estado.com.br/ep/ep.asp?name_final=Estado_20051218_A-1%BA%20Caderno_A06-Vida%20%26_029_01_documento