Histórias e vitórias do presidente internacional do Projeto GAP
postado em 23 fev 2010

Posted by Carol Keppler On 19 de fevereiro de 2010  – Publicado no site da ANDA (Agência Nacional de Direitos Animais)

O microbiologista e empresário Pedro A. Ynterian não imaginava o quanto sua vida iria mudar depois de comprar Guga, um bebê chimpanzé de 3 meses de idade, em 1999. Sua idéia era criá-lo no apartamento que morava em São Paulo, mas em pouco tempo o cubano naturalizado brasileiro percebeu que ter um chimpanzé como pet não fazia o menor sentido. Montou então para Guga um recinto adequado para viver em cativeiro no sítio em Sorocaba onde já tinha um criadouro conservacionista e se dedicou a levar outros chimpanzés para fazer companhia a Guga, dando início à montagem do primeiro santuário para grandes primatas do país. O resultado foi o grande envolvimento na questão de proteção e defesa dos direitos dos grandes primatas e a filiação ao movimento internacional GAP – Great Ape Protection. As atividades de denúncia, resgate de animais vítimas de maus-tratos e divulgação de informações se tornaram tão notórias que desde setembro de 2008 o Brasil foi eleito sede do Projeto GAP Internacional, tendo Dr. Pedro como seu presidente. No Brasil o GAP tem quatro santuários afiliados, entre os quais o de Sorocaba, que juntos abrigam mais de 70 chimpanzés, entre outros animais resgatados de maus-tratos em circos.

ANDA – Foi graças a você que o Projeto GAP teve início no Brasil. Como tudo começou?

Pedro Ynterian: Quando iniciamos o Santuário de Grandes Primatas de Sorocaba e começamos a ver a triste realidade dos abusos contra os grandes primatas no Brasil, especialmente chimpanzés, fizemos contato com o Projeto GAP Internacional, que tinha sede nos Estados Unidos, e solicitamos a representação para o Brasil, que nos foi concedida. Isso foi no ano 2000.

ANDA – Qual é a história mais marcante já presenciada neste período de convívio com os animais?

Pedro Ynterian: Talvez uma das histórias mais marcantes foi ter devolvido a visão ao chimpanzé Hulk, que viveu 30 anos sem poder ver, pois seus olhos foram queimados em um circo para que ele pudesse ser usado à vontade. O trabalho realizado voluntariamente pelo Dr. Walton Nosé, um dos oftalmologistas humanos mais renomados no Brasil, e a felicidade de Hulk quando conseguiu enxergar, saber onde estava e ver outros chimpanzés – até então ele só escutava-, foi uma das maiores emoções de nossas vidas.

ANDA – De onde vem e pelo que passaram os animais que estão no GAP?

Pedro Ynterian: Os grandes primatas que estão nos quatro santuários brasileiros afiliados ao Projeto GAP vieram de circos, zoológicos, criadouros comerciais e particulares. Todos com uma profunda sequela de abusos e maus-tratos. Se os circos machucam os chimpanzés fisicamente, arrancando dentes, castrando-os cirurgicamente e batendo neles, os zoológicos destroem a psique desses seres, convertendo-os em perturbados mentais. Talvez eles consigam superar a violência física, mas a mental faz com que eles se entreguem, recuperando-se só parcialmente. Algum dia a humanidade entenderá o que significa para um ser inteligente e sensível como um chimpanzé ser submetido horas a fio, em pequenos recintos, ao assédio do público humano. É uma humilhação que não tem tamanho e aqueles que a defendem, por razões de lucro pessoal ou institucional, deveriam ser submetidos apenas uma semana a esse tratamento, para que possam sentir a culpa que carregam em suas costas e que algum dia a sociedade humana saberá cobrar-lhes.

ANDA – O santuário de Sorocaba abriu espaço para receber outros animais, além de primatas. Faltam opções no país para receber animais vítimas da exploração? Foi difícil adaptar-se a tratar e reabilitar animais de outras espécies?

Pedro Ynterian: Nós abrimos o Santuário de Sorocaba para a entrada de felinos e ursos como uma forma de demonstrar para a sociedade o que os circos fazem com todos os animais, não só com os chimpanzés. Ao mesmo tempo, colaboramos com as autoridades ambientais que hoje não têm destino para quase uma centena de felinos, abandonados pelos circos e que os zoológicos – faltando a sua obrigação – não aceitam dar abrigo definitivo. Cuidar de ursos e felinos é bem mais simples do que de grandes primatas. Para os felinos, a alimentação é uma só e se o recinto construído é apropriado eles dão muito pouco trabalho. No caso dos tigres e ursos é necessário prover piscina com água tratada, o que complica mais o tratamento. Se existissem recursos – oficiais ou privados – com um custo não muito alto poderia ser montado um santuário para felinos bem eficiente, que resolveria a questão de centenas de animais sem destino.

ANDA – Como a ONG se mantém? O Projeto recebe doações? Costuma fazer parcerias com empresas ou poder público?

Pedro Ynterian: Os santuários são mantidos com os recursos das famílias proprietárias dos mesmos. Não existe dinheiro público, privado de outra origem ou internacional, para a manutenção dos santuários. E isso é um caso inédito no mundo, já que a maioria dos santuários que conhecemos são financiados com doações da sociedade e de organizações de assistência aos diversos animais. O Projeto GAP tem uma loja virtual modesta que gera alguns recursos, porém se mantém pelo trabalho voluntário de seus membros e pelo nosso aporte econômico.

ANDA – Os santuários não são abertos à visitação nem a estagiários ou voluntários em campo, para manter e garantir a tranquilidade dos animais. Como você vê espaços abertos ao público?

Pedro Ynterian: Os santuários, que no Brasil são classificados pelo Ibama como “Mantenedouros de Fauna Silvestre Exótica”, não permitem a visitação pública para garantir a privacidade e a integridade da vida dos grandes primatas e outros animais que lá residem. A visitação pública é a maior fonte de perturbação que existe para qualquer animal, especialmente para os grandes primatas, devido à sua proximidade conosco – eles entendem que estão sendo usados para o divertimento humano. O conceito de zoológico – como hoje existe no Brasil e na maioria dos países – não cumpre a função para a qual existe: um grupo de animais muito diverso em pequenos espaços, submetido ao assédio do público, convertendo-os em caricaturas do que são na realidade na vida livre. Como ensino é falso, já que educa nossas crianças de forma errada, mostrando seres que há muito tempo deixaram de ser representantes de sua espécie e são seres perturbados e modificados totalmente em suas reações.

ANDA – Muitas pessoas acreditam que, para preservar uma espécie, deve-se reproduzir os animais em cativeiro ou “protegê-los” em zoológicos. Qual é o seu ponto de vista sobre isso?

Pedro Ynterian: Achamos que em santuários a reprodução controlada – e dependendo de sua capacidade financeira de manter o crescimento – deve ser permitida. Em zoológicos deveria ser proibida, porque é gerar mais seres perturbados que nada tem a ver com a espécie natural. No caso dos chimpanzés, a reprodução em grupos familiares em santuários é fundamental para manter a saúde do grupo. O nascimento de bebês muda o astral da turma, gera mais responsabilidade nos adultos, ocupa o tempo e reduz o tédio, já que um bebê ou um jovem agita a todos com suas brincadeiras e atividades. Também devemos considerar que os felinos – por mais que se reproduzam em maior número e freqüência – devem ser reproduzidos controladamente em santuários apropriados que possam sustentá-los. Devemos pensar que existem menos de 15.000 leões em toda África e nos próximos 10 a 15 anos estarão extintos na natureza, como os tigres e outros felinos. Se não criamos um mecanismo para preservar a espécie em cativeiro – já que na natureza a sanha do homem é incontrolável – em poucos anos só conheceremos esses seres em filmes.

ANDA – Qual é a melhor maneira de ajudar e proteger os animais selvagens? Como a sociedade pode colaborar com a preservação e o bem estar das espécies?

Pedro Ynterian: O grande desafio da sociedade é proteger os animais em seu habitat natural. Nós lutamos por isso, mas sou pessimista quanto ao que se pode conseguir. O grande inimigo dos animais é o lucro que geram as zonas onde eles vivem e está demonstrado que ante a força do dinheiro é muito difícil lutar. Os países africanos, amazônicos, e asiáticos, que ainda têm uma variedade de fauna natural, não têm a consciência necessária de preservação e a maioria dos governantes considera os animais – que não votam ou financiam políticos – a última carta do baralho sacrificando-os sem piedade ante o altar do poder que buscam ou usufruem. De toda forma, não podemos desistir de nossa missão e devemos continuar lutando, denunciando e alertando por todos os meios possíveis e sobre todas as necessidades se queremos defender o Planeta da extinção. Os primeiros que devemos defender são os que estão aqui antes de nós: os animais.

ANDA – Que mensagem poder ser deixada, baseada na vivência destes 10 anos de Projeto e de contato com animais?

Pedro Ynterian: A mensagem que podemos deixar após 10 anos de lutas e conquistas é que valeu a pena. Em todos esses anos retiramos todos os chimpanzés de circos, uma parte de zoológicos e de criadouros comerciais. Ajudamos, junto com outras ONGs e pessoas, a converter o Brasil em um país quase livre – e em breve será totalmente – de Circos com Animais e mostramos o que isto significa para preservar a integridade dos mesmos. A mensagem que demos e continuamos dando – e a qual esperamos que frutifique no coração e na mente dos nossos jovens – é que quando virem um animal maltratado, não importa onde esteja, se sinta indignado com isso e lute contra os que fazem o mal para milhões de seres inocentes e indefesos. Enfim, juntem-se a nossa luta.

Fonte: http://www.anda.jor.br/?p=47892&print=1#comments_controls