A capacidade de falar articuladamente, uma das características que distinguem o homem dos outros animais, pode estar associada a mudanças que se fixaram há cerca de 200 mil anos em um gene chamado FOXP2. É o que sugere pesquisa coordenada por Svante Pääbo, do Instituto Max Plank de Antropologia Evolucionária (Alemanha). O estudo, publicado no site da revista Nature em 14 de agosto, aponta que as diferenças entre o gene FOXP2 de humanos, primatas e camundongos ajudariam a explicar o desenvolvimento cultural sem igual do Homo sapiens.
Já se sabia que indivíduos sem controle sobre os movimentos da face e com dificuldades para se comunicarem apresentam alterações no FOXP2. Agora, a equipe de Pääbo verificou que, embora o FOXP2 tenha se modificado pouco durante a evolução, existem algumas diferenças fundamentais entre esse gene humano e seus correspondentes em outros animais. A análise dessas diferenças pode lançar nova luz sobre o entendimento das especificidades dos humanos.
A informação genética contida no FOXP2 é relativa à síntese de uma proteína que regula a produção de moléculas de RNA a partir de moldes de DNA. Nessa proteína, há duas regiões formadas pela repetição de várias unidades do aminoácido glutamina (aminoácidos são os “blocos” constituintes das proteínas).
Os pesquisadores notaram que o comprimento dessas seqüências de glutamina varia entre as proteínas dos animais estudados (homem, camundongo, chimpanzé, gorila, orangotango e macaco reso). Além disso, eles verificaram que, sem levar em conta as regiões de glutamina, a proteína FOXP2 humana difere quanto à posição de dois ou três aminoácidos comparada a de outros animais.
A equipe de Päabo resolveu verificar se a troca de posição desses poucos aminoácidos afetava a estrutura da proteína. Os pesquisadores constataram que, diferentemente da proteína de primatas e camundongos, a FOXP2 humana apresenta uma região em que pode se ligar um fosfato (PO43). Como a adição de fosfato, em geral, serve para regular as atividades de uma proteína, os cientistas acreditam que a FOXP2 humana e suas correspondentes em outros animais tenham funções distintas.
Embora as proteínas de humanos, camundongos e primatas sejam bastante parecidas, a troca de posição de apenas dois aminoácidos teria sido responsável pela introdução de diferenças marcantes entre os animais. A alteração da FOXP2 humana foi acarretada por mutações genéticas, que teriam permitido ao homem controlar os movimentos faciais e desenvolver com sucesso a linguagem oral articulada.
Os pesquisadores estimam que essas mutações se fixaram no gene FOXP2 humano mais ou menos na mesma época em que os humanos adquiriram sua anatomia moderna. A expansão do homem moderno pelo planeta estaria associada a uma comunicação oral deficiente, que só teria sido possível graças às alterações do gene FOXP2. Porém, é preciso conhecer melhor a função desse gene para confirmar se ele está de fato por trás da origem da cultura humana.
Fernanda Marques
Ciência Hoje on-line