Por Selma Mandruca, Coordenadora do Projeto GAP no Brasil
Logo que falei para algumas pessoas que faria uma palestra sobre o Projeto GAP e os grandes primatas na Fundação C.A.S.A. (antiga Febem) ouvi vários comentários do tipo, ?O que você vai fazer lá??, ?Vai perder tempo!?, ?Esses menores não respeitam nada nem ninguém, não vão se interessar por isso?.
Confesso que eu mesma estava apreensiva, sem saber muito bem o que esperar, que tipo de receptividade, como abordar o tema, criar um interesse.
Já na entrada me preocupei um pouco, pois o esquema de segurança é bem rígido e muito parecido com o de uma penitenciária comum (trabalho em uma de segurança máxima), todos uniformizados, cabelos raspados, falando as mesmas gírias, com monitores acompanhando a rotina tal qual os agentes penitenciários, funcionários revistados para entrar.
Aos poucos fui sendo apresentada àquela realidade que está tão próxima, mas que tentamos ignorar. E fui vendo que tudo era melhor do que eu esperava. Os meninos, menores infratores, não eram tão agressivos quanto minha imaginação indicava, nem tão despreparados, nem tão alheios ao mundo quanto eu poderia supor, mas é do ser humano julgar sem conhecer.
A proposta de trabalho desta administração tenta realmente transformar a realidade de violência por trás da história de cada menino que está lá.
Quase cinqüenta adolescentes em cada palestra (foram duas), com a liberdade privada por medida sócio-educativa (nome enfeitado para dizer pena, prisão, cadeia), obrigados a estudar, participar de atividades extra curriculares e a se submeter a horários para acordar, comer, dormir, estudar. Apesar dessa disciplina (obviamente necessária) não ser tão diferente da imposta por um pai preocupado a um adolescente comum, esses meninos a enxergam como um tipo de opressão, então, como fazê-los se interessar?
Percebo que a realidade deles tem muito em comum com o passado de alguns hóspedes dos santuários. Conto a eles como um chimpanzé é subjugado para que obedeça a seu domador e vejo pelo olhar de alguns que sabem exatamente do que estou falando, que já passaram por situação semelhante e são, portanto, capazes de entender que esse tipo de coisa é inaceitável a qualquer ser vivo.
Está feito o contato e dali em diante o tema prende a atenção, as perguntas fluem, pertinentes, atuais, interessadas. Muitas vêm de um garoto, que eu soube depois, ter um histórico de rebeldia, de dificuldade para aceitar a disciplina. Mas justo esse, tão inteligente e bem informado? Penso que talvez o fato dele estar lá, levado pelas conseqüências de seus próprios atos, seja a chance dele resgatar valores perdidos e mudar o rumo de sua vida, usar essa perspicácia para melhorar como se humano e ajudar a melhorar o mundo em que vive.
Alguns perguntam sobre o que fazer para ajudar, outros percebem a semelhança da rotina dos chimpanzés em cativeiro com a própria rotina deles ali presos, afinal, os chimpanzés de zoológicos tem hora para exposição e hora para voltarem aos dormitórios, tal qual eles tem a ?tranca?. Guga, também chama a atenção, pois vai dar uma volta de Kombi com o Dr. Pedro e logo os garotos comentam que ele também tem direito de uma ?saidinha?.
Eles ficam curiosos sobre o funcionamento das cercas elétricas. Explico a eles que ensinamos aos chimpanzés que a cerca elétrica dá choque da mesma forma que uma mãe ensina seu filho a não colocar o dedo na tomada. Um deles questiona afirmando que a mãe também lhe ensinou muitas coisas, mas ele não aprendeu e por isso estava lá e eu lhe digo que com os chimpanzés é a mesma coisa, eles podem aprender a nem tentar colocar o dedo na cerca ou podem tentar e ver por si mesmos que não devem fazer, mas que também temos os mais teimosos, que resolvem arriscar-se ao choque para passar pela cerca, mas estes, também sofrem suas conseqüências, pois se não se adaptam, tem que viver nos recintos murados.
Os paralelos vão sendo traçados, o tema vai ficando mais leve e os trabalhos fluindo, a hora passa sem nem perceber e quando dou por mim estou pensando que ainda há esperanças, maiores do que eu achava poderem existir. Dentro de cada um daqueles garotos há uma semente que ficou esquecida esperando para ser plantada, para poder dar frutos, que poderão ser bons frutos, é só saber com que adubar.
Acredito que conhecer os animais pode ser o caminho para desenvolver a compaixão, o resgate por valores muitas vezes desconhecidos, pois nunca ensinados, em lares desestruturados, muitas vezes parte da dura realidade imposta a esses meninos. Aprender a respeitar a fauna pode ser o adubo que fará florescer o que há de bom escondido por trás da rebeldia.
Não sei se para eles essa experiência foi tão interessante e enriquecedora quanto para mim, mas ficarei imensamente satisfeita se pelo menos um passar a ver o mundo de forma diferente.
Notícias do GAP 07.03.2008