O Ministério Público Federal (MPF) denunciou quatro pessoas envolvidas na importação das girafaslevadas para um resort, em Mangaratiba (RJ), assim que chegaram ao Brasil. Os animais tinham como destino o BioParque, no Rio de Janeiro (RioZoo). A denúncia foi recebida pela 10ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro.
Com base nas provas coletadas em inquérito policial e em inquérito civil, o MPF imputou ao gerente técnico e ao diretor de Operações do BioParque os crimes de maus-tratos contra 18 girafas e manutenção e uso em atividade comercial de animais com procedência estrangeira, importados de forma irregular, com uso de documentos falsos.
Além disso, o MPF pede a condenação de ambos por dificultarem a ação fiscalizadora do Poder Público, pois só comunicaram as autoridades sobre a morte das três girafas mais de 50 dias após os óbitos.
Na denúncia apresentada à Justiça Federal, o MPF aponta que a importação foi ilegal, porque se baseou em informações ideologicamente falsas. Os empreendedores usaram um fictício projeto conservacionista para justificar a vinda das girafas, disfarçando o intuito comercial da atividade.
Além disso, o processo de importação contou com documentos que atestavam a adequação do recinto no qual os animais ficaram confinados durante o período de ambientação.
Conforme consta na denúncia, os maus-tratos teriam ocorrido desde a chegada das girafas ao Brasil, em novembro de 2021, até pelo menos 17 de maio de 2022. Um laudo comprovou os crimes.
Inicialmente, os animais cumpririam quarentena de 15 dias no resort Portobello Safari, em Mangaratiba, no litoral sul do Rio. No entanto, elas ficaram meses confinadas em espaços reduzidos e sob “torturas psicológicas”.
A investigação concluiu que Cláudio Hermes Mass, consultor do BioParque, e Manoel Browne de Paula, diretor de Operações do Zoológico do Rio de Janeiro, cometeram crime ambiental ao praticar abuso, maus-tratos e ferir 15 girafas, além de causar as mortes de três.
Atraso em informação das mortes
Na ação, o MPF pontuou, ainda, que o atraso na comunicação das mortes às autoridades foi determinante para que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) não conseguisse localizar os chips de identificação das girafas mortas. Isso dificultou o esclarecimento quanto às circunstâncias dos óbitos e a correta identificação dos animais.
Os outros dois denunciados pelo MPF foram servidores do Ibama e do Instituto Estadual do Ambiente (Inea). Eles são acusados de terem elaborado documentos contendo afirmações falsas ou enganosas no procedimento de licenciamento para a importação das 18 girafas e de outros animais destinados ao BioParque.
Hélio Bustamante Pereira de Sá, analista do Ibama, e Priscila Diniz Barros de Almeida, servidora do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), são apontados como os responsáveis pelos documentos que atestaram falsamente condições apropriadas do cativeiro para acolher os animais importados da África. Essas condutas são consideradas crimes ambientais, com pena que pode variar de 3 a 6 anos de prisão, além de multa.
Entenda o caso
Em 11 de novembro de 2021, as 18 girafas chegaram ao aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, em um avião Boeing 747-200 cargueiro (Jumbo) fretado para trazê-las da África do Sul ao Brasil. O desembarque dos animais ocorreu no Terminal de Carga do aeroporto, sendo acompanhado por servidores do Ibama, da Receita Federal, do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e de técnicos do BioParque.
Depois, os animais foram transportados para uma área no Resort Portobello, em Mangaratiba, onde ficariam temporariamente aguardando transferência para o BioParque. Poucos dias depois, em 14 de dezembro, cinco girafas fugiram do confinamento. Logo após a recaptura, três morreram. A causa da morte teria sido uma doença muscular, chamada miopatia, conforme atestado no laudo de necropsia elaborado por veterinários do próprio BioParque.
De acordo com a denúncia, a doença que levou os animais à morte decorreu do intenso sofrimento e extremo estresse. “As girafas, após serem retiradas da natureza, estavam em cubículos, chegando cada uma a ficar em um espaço de 10 m², situação de confinamento claustrofóbico” ao qual foram submetidas durante a fase de ambientação, sustenta o procurador da República Jaime Mitropoulos, na peça acusatória.
Instrução normativa do Ibama prevê que o espaço adequado para cada dois animais desse porte, provenientes de vida livre, é de 600 m², sendo que as baias do resort tinham pouco mais de 30 m². “Tanto as girafas que morreram quanto as sobreviventes não receberam condições de acolhimento minimamente dignas dispensadas pelos responsáveis por sua importação e manutenção em cativeiro”, conclui o MPF.