(Reprodução de matéria publicada no Jornal O Estado de 11.12.2007)
Processo acelerou nos últimos 40 mil anos, quando homem moderno se instalou na Europa, Ásia e Austrália
Herton Escobar
Os seres humanos modernos (Homo sapiens) evoluíram mais rapidamente nos últimos 40 mil anos do que nos 6 milhões de anos desde que hominídeos e chimpanzés se separaram de um ancestral comum. Anatomicamente, foi uma evolução bem menos perceptível do que a que nos transformou em animais bípedes, com postura ereta e cérebros avantajados. Evidências genéticas, entretanto, mostram que, ao deixar a África para povoar outros continentes, o Homo sapiens teve de se adaptar como nunca a novas pressões ambientais, segundo um estudo publicado ontem.
À medida que a população cresceu e se dispersou pelo globo, o homem se viu exposto a condições climáticas, geográficas e demográficas muito diferentes daquelas a que estava acostumado no berço africano. Entre os que migraram para terras ao norte, mais frias e com dias mais curtos, prevaleceram os indivíduos de pele mais clara – teoricamente, por serem capazes de aproveitar melhor a luz solar, necessária para produção de vitamina D.
“Os europeus ficaram mais claros, mais loiros e com olhos mais azuis nos últimos 5 mil anos”, disse ao Estado o antropólogo Henry Harpending, da Universidade de Utah, que assina o estudo. Os resultados, publicados na revista científica PNAS, sugerem que as populações de cada continente se tornaram mais distintas geneticamente nos últimos 40 mil anos – cada uma adaptada a suas condições locais. “Estamos nos tornando menos parecidos e não convergindo para uma humanidade única, homogênea”, diz Harpending.
A evolução nesse período (desde que o homem moderno se instalou na Europa, na Ásia e chegou à Austrália) foi cem vezes mais rápida do que a média dos últimos 6 milhões de anos, segundo os cientistas. As mudanças tornaram-se ainda mais velozes nos últimos 10 mil anos, a partir do fim da era glacial e da invenção da agricultura.
As populações tornaram-se maiores, mais concentradas, mais fixas e, conseqüentemente, mais suscetíveis a doenças infecciosas. Indivíduos naturalmente mais resistentes foram naturalmente selecionados (ou seja, sobreviveram), enquanto os menos resistentes foram naturalmente eliminados (morreram).
A mudança de dieta, com a domesticação de plantas e animais, também impôs adaptações ao metabolismo de carboidratos, fibras e ao consumo de leite na vida adulta (tolerância à lactose).
PISTAS GENÉTICAS
O estudo foi feito com base na análise do DNA de 270 indivíduos de quatro populações: chineses, japoneses, africanos e europeus. A equipe analisou 3,9 milhões de SNPs (“snips”): mutações pontuais, de uma única letra, que diferenciam uma pessoa da outra.
Cada ser humano tem milhares de snips no seu genoma. Eles ocorrem naturalmente e aleatoriamente, a partir de pequenos “erros” na duplicação dos cromossomos, quando uma célula se divide. A grande maioria é inócua: não tem efeito nenhum e acaba, simplesmente, desaparecendo. Algumas, porém, podem ser benéficas – conferindo, por exemplo, resistência a doenças. Nesse caso, são preservadas e acabam se perpetuando na população.
A seleção natural age sobre essas mutações aleatórias, “selecionando” aquelas que dão aos portadores uma chance maior de sobreviver e se reproduzir no ambiente em que vivem. O que os cientistas fizeram foi calcular a freqüência e a idade dessas mutações. Concluíram que 7% dos genes humanos passaram (ou estão passando) por evoluções recentes (alteração e seleção).
“Quanto maior a população, maior a diversidade genética. E, quanto maior a variabilidade, maior o número de opções para a seleção agir”, explica a geneticista Maria Cátira Bortolini, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. “É uma coisa óbvia, mas que ninguém havia demonstrado em seres humanos.”
Os cientistas não sabem dizer como a evolução está agindo no presente ou como ela transformará a espécie humana no futuro. “Não sei, e não acho que alguém saiba”, diz o co-autor Gregory Cochran, também da Universidade de Utah. “Hoje as raças estão se misturando novamente, mas quem pode prever o futuro?”
Com o avanço da medicina e da qualidade de vida, a tendência é que pressões ambientais se tornem menos influentes. Mas isso varia com as condições ambientais e econômicas de cada população. “Enquanto pessoas com certas características tiverem mais filhos do que outras, haverá seleção”, afirma Cochran.
O especialista Sergio Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais, duvida dos resultados. “Não acho que haja tanta seleção e não vejo como eles poderiam provar isso”, disse.
Fonte: http://www.estado.com.br/editorias/2007/12/11/ger-1.93.7.20071211.1.1.xml
O polêmico Watson é mais negro que imaginava
The Sunday Times
Uma análise do genoma do cientista americano James Watson, o polêmico pioneiro do DNA, que recentemente disse que os negros são menos inteligentes que os brancos, mostrou que 16 dos seus genes provavelmente vieram de um ancestral negro de origem africana. A maioria das pessoas que descendem de europeus tem no máximo um desses genes. O estudo foi possível depois que Watson autorizou a publicação de seu genoma na internet.
“Você esperaria esse número de genes em alguém que tivesse um bisavô africano”, disse Kari Stefansson, da empresa de CODE Genetics, da Islândia, que realizou a análise.
Watson ganhou o Nobel em 1953, juntamente com Francis Crick e Maurice Wilkins, pela elucidação da estrutura molecular do DNA. Este ano, em outubro, foi alvo de inúmeros protestos, ao sugerir que negros eram geneticamente menos inteligentes que brancos – algo que, segundo especialistas, não tem nenhum fundamento científico. A repercussão negativa do caso obrigou Watson a se demitir da direção do Cold Spring Harbor Laboratory, em Nova York, cargo que exerceu por 29 anos.
A análise mostrou ainda que outros nove genes de Watson provavelmente vieram de um ancestral asiático. O cientista não foi encontrado para comentar o assunto.
Fonte: http://www.estado.com.br/editorias/2007/12/11/ger-1.93.7.20071211.2.1.xml
Notícias do GAP 14.12.2007