Direitos dos Grandes Primatas
postado em 02 set 2008

Quanto mais aprendemos sobre chimpanzés e gorilas, mais percebemos que eles se parecem conosco


Barbara J. King


Um menino cai de uma grade, 7 metros abaixo, dentro do recinto do gorila no zoológico Brookfield, nos arredores de Chicago. Lá ele fica caído, inconsciente, no meio de sete grandes primatas, alguns com peso e força que podem exceder a de um homem adulto. Conforme um deles se aproxima do garoto, os presentes ficam tensos.


Mas Binti Jua, uma gorila fêmea de oito anos, pega o menino e, o carregando como uma criança, gentilmente entrega o garoto para os funcionários do zoológico.


Este episódio impressionante aconteceu em 1996 e rendeu a Binti Jua manchetes em jornais internacionais (e pode ser visto, mas numa resolução não muito boa, num vídeo do YouTube). Foi um incidente que ninguém que o testemunhou – ao vivo ou on line – conseguiu esquecer. Mas não tinha nada sobre Binti Jua, ou qualquer outro chimpanzé, gorila, bonobo ou orangotango que demonstra racionalidade e empatia, no artigo Why They’re Human Rights, de Russell Paul La Valle (http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2008/07/25/AR2008072502761.html).


La Valle argumentou que o Parlamento Espanhol não deveria ter decidido por dar direitos humanos a grandes primatas. Ele abre o artigo com uma frase pouco profunda sobre macacos em circos – e aí comete seu primeiro erro. Primeiramente, macacos são menores que grandes primatas, seu raciocínio é menos complexo e eles estão mais distantes em similaridades com humanos. Mas um erro mais grave de La Valle foi a sua afirmação de que os grandes primatas são “irracionais, amorais.”


Refletindo o dualismo defendido pelo filósofo René Descartes no século XVII, La Valle c constrói uma estrita linha divisória entre homens, que racionalizam, e animais, que contam com “um conhecimento instintivo de sobrevivência herdado.” É claro que La Valle não teve oportunidade de conviver com grandes primatas nos últimos tempos  – ou de ter tomado  conhecimento de qualquer uma das grandes descobertas feitas por estudiosos de grandes primatas nas duas ou três últimas décadas. Ao expressar racionalidade e empatia, Binti Jua não foi a única; e muito menos seu comportamento é um resultado da vida em cativeiro no zoológico.


Chimpanzés selvagens fazem planejamento e carregam ferramentas para os lugares onde vão usá-las, como, por exemplo, para quebrar cascas de amêndoas e nozes com martelos de madeira e pedra. Eles escolhem conscientemente de que lado vão ficar em competições por status e reconhecem e retribuem a lealdade de amigos da mesma forma que se vingam severamente de seus inimigos. Quando companheiros próximos se machucam ou ficam feridos, chimpanzés de vida livre fazem o “grooming”, num gesto de cuidado e carinho (vale ressaltar que esta compaixão dos chimpanzés é, às vezes, associada na mesma intensidade a um sentimento de crueldade uns com outros. Isso lembra que espécie?).


Orangotangos de cativeiro mudam seus gestuais de acordo com o quanto um companheiro humano demonstra estar entendendo seus pedidos. Bonobos usam um teclado de computador com símbolos para discutir com seus tratadores os planos do dia, bem como para fazer promessas de que serão “bonzinhos.”


Os grandes primatas que eu descrevi, e muitos dos meus colegas primatologistas escrevem sobre isso, não são nem irracionais nem amorais. O zoologista e etologista Frans de Waal argumentou que as origens da moralidade podem ser achadas em nossos primos grandes primatas, e o meu próprio trabalho antropológico sugere que as raízes evolucionárias da religiosidade humana dos dias de hoje podem ser achadas no universo dos grandes primatas.


É importante esclarecer o mau-entendido de La Valle sobre os grandes primatas, mas não porque eu sou uma fervorosa defensora da legalização de direitos para animais. A questão é complexa e discutível: seja para dar direitos aos grandes primatas ou para assumir responsabilidades pelo seu bem-estar.


Mas enquanto escritores como La Valle defende suas idéias e acadêmicos como eu discutem o aspecto filosófico dos direitos, os grandes primatas estão morrendo.


As conseqüências somadas do tráfico, doenças como Ebola, destruição de habitats e o comércio de carne e partes do corpo dos animais estão causando a morte de grandes primatas numa velocidade nunca antes vista. Se nós os rotulamos como animais irracionais ou amorais, não seremos capazes de compreender a profundidade do sofrimento que eles passam nas nossas mãos – um sofrimento que é cognitivo, emocional e também físico.


Barbara J. King é professora de antropologia no College of William and Mary e é autora do livro “Evolving God: A Provocative View on the Origins of Religion.”