Toti Naceu como Nahuel, a pessoa que o acompanhou desde os três anos de idade, que aqui identificamos como CL, conta a verdadeira e aterrorizante vida deste chimpanzé, que não tem l3 anos, senão 24 anos de idade e ainda aguarda sozinho, num Zoológico inóspito, no sul da Argentina, que os humanos que o abusaram e o torturaram, lhe permitam um pouco de paz e sossego junto a seus irmãos no Brasil.
“Eu (que chamaremos CL) visitava o chamado Zoológico de Cutini. Local tão questionado pelas crueldades, como voluntária no ano de 1993 e conheci um bebê que tinha três anos e nasceu no dia 29 de agosto de 1990. Quando comecei como voluntária tinham quatro chimpanzés: Marcos, o macho, Mariela, uma fêmea jovem e a Negra, chimpanzé fêmea, mãe do único bebê que existia no Zoológico e que se chamava Nahuel, hoje Toti”, assim começa o relato aflorando suas lágrimas pelas recordações.
Continua: “Durante o dia os três chimpanzés adultos permaneciam numa gaiola ao ar livre, enquanto o pequeno Nahuel ficava sozinho em outra gaiola. De vez em quando era permitido que Nahuel brincasse com crianças e adultos humanos que visitavam o Zoológico. Quando a noite chegava, os chimpanzés adultos eram trasladados por seus tratadores a um quarto onde existiam três gaiolas, que eram chamadas de “as camas” e lá passavam a noite. Nos dias de tormenta, Nahuel podia ficar com sua mãe, a Negra. Durante o dia Nahuel ficava na gaiola, às vezes amarrado com uma corda, às vezes solto para que brincasse com as crianças visitantes, porém, quando o perturbavam muito, vinha em meu colo, para brincar comigo, para que lhe fizesse cócegas. Os visitantes não gostavam, porque de imediato que ele me enxergava com um grupo, vinha correndo e pulava em mim para me abraçar e beijar, e começava o ritual de beijos e abraços, e cócegas por todo seu corpo.”
E continua relatando: “Quando fui conhecendo os chimpanzés e a situação dos mesmos, percebi que só interessava seu bem-estar a um grupo de voluntários como nós, que estávamos sempre com eles, assim me dedicava a juntar todo tipo de objetos para eles brincarem, desenhávamos, escutávamos música com fones de ouvido e dançávamos. Levávamos revistas e as observávamos junto com eles. Era óbvio que depois se transformavam em papel picado. Todas essas atividades e outras coisas que imaginávamos o fizemos para lhes entreter e a usamos num mês e tanto, durante o qual eles ficaram fechados em seu dormitório, fechados em suas camas, porque o tratador que os tirava ficou doente, por este motivo ficaram mais de um mês fechados, em jaulas minúsculas. Nahuel e sua mãe, compartilhavam a mesma cama, como não podíamos entrar, eles nos ajudavam a cambiar a serralha velha, lhes dávamos o novo e eles aceitavam o novo e o colocavam no lugar certo. Imaginem, depois de todo este tempo mãe e filho ficaram juntos, nós os ajudávamos a ficar conformados e fizemos de tudo, o melhor possível, para que estivessem mais juntos. Porém, depois de todo este esforço para mantê-los juntos, os separaram abruptamente e os enviaram a locais diferentes.”
“A raiz da doença de um dos tratadores, que era quem os transportava entre as gaiolas, é que decidiram e construíram do lado um quarto separado, com uma janela de vidro, para ver a reação deles, e do público. E a partir deste momento, em 1995, Nahuel foi separado completamente de sua mãe, colocado numa gaiola sozinho e pela noite o levavam para dormir numa outra gaiola que chamavam de “cama”, também sozinho. Nahuel chorava a cada noite como uma criança que é separada abruptamente de sua mãe”
E continua: “Cada vez que eu ia, alguns dos tratadores me comentavam que quando Nahuel era levado pelos funcionários que estavam naquela hora, lhe davam cerveja e cigarros, e eu o achei com queimaduras de cigarros em seus dedos, me contavam também que lhe golpeavam muito nas costas. Era no momento que iam tirar os chimpanzés adultos das “camas” para a nova jaula de vidro, perguntei como iam fazê-lo e me falaram, como sempre: se rebelam lhe pegamos um tiro. Os conflitos no Zoo de Cutini muitas vezes se resolviam a base de tiros. No ano de 1996 e 1997, não me lembro bem, fiquei muito contente, com as limitações desta sensação estando num Zoo, ante a chegada de um novo chimpanzé a este Zoo. Benito era um macho jovem que vinha de um Circo e o juntaram com Nahuel. Eles fizeram uma boa amizade, mas lamentavelmente durou pouco. Benito foi levado ao exterior para fazer um comercial de TV e terminou fugindo no bairro de Palermo. Benito ficou agressivo, não tinha como controlá-lo e terminaram lhe dando 14 tiros. Esta era a reação típica do Zoo de Cutini: quando um leão se converte em sindicalista, aí ele passa pela FAL (rifle de alta potência); depois vendiam a carcaça dos leões.”
“Numa das tantas visitas que fiz, recebia sempre os comentários dos maus-tratos praticados a Nahuel, assim como a listagem dos animais mortos (a maioria eram macacos carayas (bugio) e pregos). Quando ia vê-lo, inicialmente, gastávamos o tempo no grooming através da tela e aproveitava para revisar seu corpo, notava que o pelo diminuía, a pele estava avermelhada, com a cicatrização de feridas recentes. Ninguém falava nada, porém, entre comentário e comentário dos tratadores, podia deduzir dos golpes, que tinha apanhado e numa das fotos que enviei pode ser visto o pelo escasso das costas. Após o ano de 1998, perdi a localização dos chimpanzés do Zoo de Cutini e só agora que vi a história de Toti é que liguei ambos.”
Assim fecha o relato de CL, e aqui recomeçamos com DK, outra testemunha presencial do que Toti passou em sua vida mais atual.
O Zoológico de Cutini foi fechado em 1999 e os chimpanzés foram relocalizados. DK informa “eu trabalhei no Zoo de Florencio Varela e fui buscar Toti no Zoo de Cutini, antes dele fechar. Só ficaram alguns tratadores, o Zoo não estava mais aberto ao público. Toti estava novamente com sua mãe e pai. Toti era muito bonito, parecia uma criança humana. No momento que estava lá, entrou um velho que cuidava de Toti na sua gaiola. Toti começava a chorar profusamente, como um bebê aterrorizado. Era horrível escutá-lo. Toti se encondia num canto, em posição fetal, cobrindo sua cabeça. Claro, aí entendi, aquele velho miserável levava um cano de ferro na mão e batia em sua testa, para forçá-lo a entrar na jaula de transporte. Assim o introduzia em uma jaula que comprime o corpo e Toti continuava chorando desesperadamente, a jaula o comprimia até um ponto que não conseguia mais respirar. O velho amarrava suas mãos e os pés com fios na gaiola para imobilizá-lo, colocava uma corrente em seu pescoço e a fechava com um cadeado. Pedi ao dono do Zoo de Florencio Varela que fizesse o velho parar com aquela tortura. Me afastei dezenas de metros para não ver e nem escutar os gritos desgarradores de Toti. Quando chegou ao Zoológico de Florencio Varela, não deram muita atenção, o deixaram encostado numa pequena gaiola e sem gente capacitada para cuidá-lo. Espero que minha história sirva para abrir os olhos do povo.”
No Zoológico Florencio Varela morre sua mãe, ficando ele sozinho, abandonado à sua sorte e ignorado.
Em 2008 foi trazido para o Zoológico de Córdoba. O colocaram num bom recinto. Aqui estava um chimpanzé mais velho chamado Coco e Alejandra Juarez entra em cena e conta a parte mais recente da vida de Toti. Ambos são juntados, Toti era hiperativo, Coco não o acompanhava, meses depois, também morreu.
Neste momento Toti arrumou um inimigo. O diretor do Zoológico tinha sido mordido por Coco, anos atrás, apesar de não ter dentes. Talvez o diretor Villareal queria se exibir ante jovens estudantes que faziam um estágio e tentou provocar Coco. As gengivas dos chimpanzés terminam sendo poderosas através dos anos. Quando Coco morreu, o ódio de Villareal se concentrou em Toti e queria vê-lo longe daquele local.
Aqui Alejandra conta suas últimas experiências, quando começou a visitar Toti semanalmente e convertê-lo em um ser alegre, arrancando a apatia que estava semeada em sua alma, com tantos abusos e torturas a que foi submetido. No fim achou uma companheira humana que conseguia entendê-lo. Até aquela noite maldita, em que um caminhão o levou às escondidas para centenas de quilômetros de distância, a fim de separá-lo de sua única amiga e sua única esperança de ser algum dia Feliz.
TOTI-NAHUEL, 24 anos, é um símbolo da luta dos chimpanzés por seus direitos mais sagrados, que são conculcados por humanos sem consciência que descarregam nestes seres extraordinários, as suas frustrações da vida.
Defender a vida de TOTI-NAHUEL é um dever de todos aqueles que apreciam nos nossos irmãos primitivos, que estão sendo extintos a cada dia, a cada hora, deste Planeta que pertence a todos.
Dr. Pedro A. Ynterian
Presidente, Projeto GAP Internacional
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