Por Jaqueline B. Ramos (Comunicação – Projecto GAP Brasil/Internacional)*
Foi a segunda vez que fiz uma visita técnica a um Santuário para chimpanzés aposentados de experiências em laboratórios. Em 2018, fui ao Santuário de Kumamoto, no Japão, onde vi o trabalho e todo o esforço de especialistas da Universidade de Kyoto para reabilitar e proporcionar o mínimo de qualidade de vida a chimpanzés que foram violentamente arrancados da floresta, encarcerados em jaulas frias e submetidos a procedimentos invasivos por anos a fio.
Morando na Áustria, descobri que aqui também há um Santuário para chimpanzés que foram explorados em pesquisas na Europa. O seu nome já diz tudo: Santuário Gut Aiderbichl para Chimpanzés Traumatizados, e fica em Gänserndorf, não muito longe de Viena. Tive a oportunidade de conhecer o local no último mês.
As experiências em ambos os Santuários foram muito similares e o conforto é ver que há profissionais que se envolvem e se dedicam à reabilitação de seres extremamente especiais que tiveram um passado tão sofrido.
Não vou entrar aqui no mérito da validade das pesquisas e do quanto se alcançou ou se desperdiçou (isso é assunto para várias outras reflexões e análises), mas fato é que, em termos de ética e direitos animais, nada justifica o modo como foram tratados – e todo o possível para compensá-los por este passado tão funesto realmente deve ser feito.
Nossa obrigação é cuidar deles depois de todo o sacrifício que eles passaram por nós”
A Gut Aiderbichl é uma ONG criada por Michael Aufhauser, um protetor de animais bem conhecido na Áustria e na Alemanha, que começou seu trabalho em 2001 com cavalos. Hoje há 3 locais que abrigam um total de 2000 animais resgatados (cavalos, cachorros, gatos e animais de fazenda) e aposentados de diversas atividades. Apesar de não serem zoológicos, os locais são abertos à visitação com caráter educacional.
O Santuário Gut Aiderbichl para Chimpanzés Traumatizados é uma quarta localidade, com visitação ainda mais restrita. Quem apoia as atividades pode agendar previamente uma ida ao local, onde com um grupo será guiado e apresentado ao trabalho por membros da equipe. A mensagem passada é “Nossa obrigação é cuidar deles depois de todo o sacrifício que eles passaram por nós”.
Importante ressaltar que, desde 2019, o Santuário depende exclusivamente de suporte financeiro voluntário, porque tanto a empresa que era dona dos chimpanzés como o Governo da Áustria não propiciam mais suporte financeiro.
“Sobreviventes entre tantos outros”
Hoje o local abriga 29 chimpanzés. Na sua fundação, em 2009, eram 38 indivíduos (chimps) e outros 5 macacos (reshus) sobreviventes depois de 30 anos de pesquisas em laboratório.
Se 38 indivíduos sobreviveram, estima-se que muito mais foram capturados nas selvas africanas nos anos 1970s e 1980s, principalmente em Serra Leoa, e direcionados para o laboratório da empresa IMMUNNO, então localizado em Viena.
Fiz essa pergunta, mas nem a Renate Foidl, que é a diretora atual do Santuário e está envolvida com estes chimpanzés desde que ela mesma era funcionária do laboratório, soube responder. Não acredito que haja uma rastreabilidade clara sobre isso.
Os residentes estão na casa dos 40 e de 50 anos, com exceção de 3 chimpanzés já nascidos em cativeiro no final dos anos 1990s, e, para sua sorte, nunca usados em pesquisas.
Podemos analisar que a média alta de idade dos chimpanzés sobreviventes seria outro indicador de que um número muito maior deve ter sido capturado e usado nas pesquisas, pois estes seriam os únicos/poucos que resistiram com menos sequelas dentro de um grupo provavelmente muito maior.
A grande meta do Santuário é proporcionar a ressocialização e a vida em recintos com áreas abertas, tentando recriar um ambiente natural. Com alguns dos chimpanzés esta reabilitação tem mais sucesso, eles conseguem viver em grupo e desfrutar de áreas abertas. Outros mal conseguem se levantar, por terem vivido anos espremidos em pequenas gaiolas, como Pünktchen e alguns não vão em áreas abertas ou socializam até hoje.
Bem-estar e segurança em primeiro lugar
Os recintos são razoavelmente grandes, contando com áreas internas e externas, e bem seguros. Os grupos maiores são alocados em recintos murados com janelas de vidro a prova de bala e cerca elétrica. É visível a preocupação do Santuário com a segurança e com o bem-estar dos chimpanzés, que carregam os traumas e sequelas dos anos que viveram trancafiados no laboratório.
Os 29 chimpanzés ficam divididos em 8 grupos alocados em 2 grandes complexos de recintos, de acordo com suas características e possibilidades de interação social.
O complexo B Haus é dividido em 4 partes, onde vivem 8 chimpanzés. Alguns, como Thomas (foto), vivem sozinhos. São os casos daqueles que a ressocialização não foi possível. A área externa deste complexo é menor que a do complexo A e neste vivem aqueles cuja socialização é mais complicada ou difícil, embora eles se conheçam e já tenham convivido. A estrutura externa parece uma grande gaiola.
O complexo A Haus é o maior, dividido em 4 grandes recintos, cada um com seu grupo (A, B, C e D). O recinto D é o maior, onde vivem 9 chimpanzés – grupo do chimp Moritz. Foi o primeiro a ter a área aberta inaugurada, de 2000m². Os recintos C e B são os menores. No C vivem 4 chimpanzés e no B, 5. No recinto A também vivem 5 chimps.
Mais informações sobre a ONG Gut Aiderbichl e o Santuário: https://www.gut-aiderbichl.com ; https://www.gut-aiderbichl.com/news/ex-labor-schimpansen/