Imagens de chimpanzés e outras espécies parecem fofas, mas na verdade podem representar animais em situações perigosas. Veja como saber o que é seguro compartilhar e como isso ajuda o trabalho de conservação
por Ashley Edes – The Revelator
Independente de você achar fascinante ou inquietante, é fato que as pessoas reconhecem as semelhanças inerentes entre nós e nossos parentes primatas mais próximos, especialmente os grandes símios. Como primatologista, faço regularmente perguntas que vão desde quão fortes os gorilas e os chimpanzés são (muito) até os macacos jogarem cocô (ainda não observado na natureza) e como eles são espertos (digamos que não posso competir com suas habilidades para resolução de quebra-cabeças).
Intercalando com os fatos divertidos e interessantes que divulgo sobre os primatas, eu também tento ajudar as pessoas a se tornarem consumidores mais exigentes e críticos de fotos de animais, vídeos e outros conteúdos, especialmente em mídias sociais. Um pouco de contexto pode ajudar que as pessoas não deem apoio, mesmo sem intenção, ao tráfico de vida selvagem ou outras práticas prejudiciais por meio de um like ou compartilhamento.
Todos vimos imagens e vídeos de primatas que se tornam virais – um chimpanzé dando mamadeira para um filhote de tigre, um macaco com maquiagem, lêmures comendo bolinhos de arroz e segurando pequenos guarda-chuvas. Mais recentemente, vídeos amplamente divulgados mostraram chimpanzés jovens vestidos com roupas e abraçando ex-cuidadores ou navegando pelo Instagram em um smartphone. Seja devido às suas semelhanças conosco ou ao fato de que a maioria de nossa experiência com animais é com espécies domesticadas, muitos espectadores acreditam erroneamente que essas fotos e vídeos não são apenas fofas e inocentes, mas também retratam animais em situações positivas e saudáveis.
Infelizmente, isso geralmente não é o caso.
Uma das melhores maneiras de avaliar o bem-estar animal em zoológicos e santuários (e mais amplamente nas mídias sociais) é usar as Cinco Liberdades, que foram apresentadas pela primeira vez em 1979 pelo Conselho de Bem-Estar dos Animais de Fazenda do Reino Unido. Essencialmente, o bem-estar positivo significa que os animais estejam:
1 – Livre de fome ou sede – acesso a água e comida apropriada para as espécies;
2 – Livre de desconforto – ambientes apropriados com áreas de abrigo e descanso;
3 – Livre de dor, lesão ou doença – diagnóstico, tratamento e prevenção quando possível;
4 – Liberdade para expressar comportamentos normais – espaço suficiente e moradia social adequada para facilitar esses comportamentos (dentro da razão, já que nem todo comportamento natural pode ser acomodado);
5 – Livre do medo e da angústia – evitar o sofrimento mental.
Com essas Cinco Liberdades em mente, você pode perceber algumas das preocupações de bem-estar que os especialistas em vida selvagem veem nessas imagens e vídeos virais. Vestir roupas não é um comportamento normal, portanto é uma bandeira vermelha imediata. Os primatas que estão fortemente ligados aos humanos geralmente não estão em ambientes apropriados, o que significa que esses locais e situações não são projetados para ajudá-los a expressar comportamentos normais com membros de sua própria espécie (ocasionalmente, humanos em zoológicos e santuários precisam cuidar de filhotes órfãos ou que foram abandonados, mas esses animais são socializados e abrigados com membros de sua própria espécie o mais rápido possível).
Outras questões podem ser mais difíceis de reconhecer, e é por isso que a expertise de pessoas com conhecimento especializado é tão valiosa. Por exemplo, vídeos de lêmures freqüentemente violam as Cinco Liberdades – bolinhos de arroz não são fontes adequadas de alimento para essa espécie e aqueles que aparecem alcançando pequenos guarda-chuvas estão exibindo medo, informações sobre sua biologia e comportamento que o público normalmente não teria.
Embora esses problemas não sejam exclusivos da primatologia, nossas abundantes semelhanças levam as pessoas a acreditar que podem julgar com precisão como estão se sentindo seus primos evolucionários. Mas aqueles grandes “sorrisos” de boca aberta não são expressões de felicidade, e sim “caretas de medo” (formalmente chamadas, no termo em inglês”silent bared teeth displays”), que os primatas demonstram para sinalizar a subordinação a um indivíduo maior e mais forte, geralmente em contextos onde uma agressão ocorreu ou é provável que aconteça. Essas expressões são especialmente vistas nas indústrias de entretenimento e cartões comemorativos. Encorajo-o a pensar sobre o tratamento recebido pelos animais nos bastidores para obter demonstrações de submissão e medo na frente de uma câmera.
Muitos acreditam que se envolver com postagens de mídia social como essas dando likes, compartilhando ou mesmo comentando não tem impacto na conservação animal. Mas esses vídeos e imagens realmente ameaçam espécies, muitas das quais já estão em perigo. Os likes e compartilhamentos são notados por pessoas envolvidas em atividades de comércio ilegal de animais de estimação, e comentários como “Eu quero um” encorajam a visão da vida selvagem fornecendo animais de estimação e estimulam a remoção contínua de espécies ameaçadas de seus habitats.
Pesquisas realizadas por conservacionistas de primatas documentaram os efeitos devastadores que as mídias sociais podem ter sobre as populações de primatas (você pode ler alguns dos artigos científicos (em inglês) de graça – veja no final do texto*). Por exemplo, um estudo de 2015 de Katherine Leighty e seus colegas demonstrou que visualizar fotos de primatas em um escritório estereotipado tanto aumentou do desejo das pessoas de ter estes animais como pets como diminuiu a probabilidade deles acreditarem que os animais estavam em perigo. Em comparação, primatas retratados em florestas ou longe de humanos eram percebidos como mais felizes. Esse tipo de estudo demonstra que as imagens e vídeos que vemos nas mídias sociais afetam a nossa percepção.
É importante entender o quão drasticamente o comércio de animais de estimação pode ameaçar a sobrevivência de espécies vulneráveis e ameaçadas de extinção. Por exemplo, chimpanzés bebês e jovens são alvos do comércio ilegal porque os adultos são perigosamente fortes e podem ser muito agressivos. Como os adultos lutarão para protegê-los, tropas inteiras são mortas regularmente para capturar um ou dois chimpanzés jovens. Esses bebês raramente sobrevivem por tempo suficiente para serem vendidos, seja devido à experiência traumática, às más condições após a captura ou a uma combinação de ambos.
Existem muitas outras realidades terríveis do comércio de primatas como animais de estimação primatas, como com lêmures, que são os únicos primatas venenosos e têm seus dentes cortados com cortadores de unhas para que não possam morder (confira mais sobre a situação dos lêmures no Little Fireface Project – em inglês).
Você não precisa ser um especialista em bem-estar animal para lutar contra o comércio ilegal de animais de estimação. Abaixo seguem passos simples e fáceis que indivíduos ou organizações podem tomar para apoiar a conservação de espécies ameaçadas.
– Não dê likes, compartilhe ou comente positivamente em mídias questionáveis. Fique atento aos alertas a partir das Cinco Liberdades de Bem-Estar Animal. Se não tem certeza, pode entrar em contato com um primatologista ou biólogo da vida selvagem – há uma grande comunidade nossa em mídias sociais e estamos felizes em ajudar (você pode me encontrar no Twitter em @ashley_edes) .
– Se você estiver seguindo contas que compartilham regularmente material questionável, deixe de segui-las.
– Desafie quem compartilha mídia questionável. Você pode compartilhar este texto ou alguns dos muitos outros excelentes que foram escritos sobre este tema (veja textos do Instituto Jane Goodall, DiscoverWildlife e Mongabay).
– Não compre cartões comemorativos ou itens que mostrem animais em situações de baixo nível de bem-estar (por exemplo, vestindo roupas, fumando, andando de bicicleta) e explique para outras pessoas se você receber esses itens.
– Evite atividades turísticas que ofereçam uma interação próxima com animais selvagens. Embora haja exceções, em muitas dessas situações os animais são drogados ou cruelmente treinados para serem dóceis e posarem para fotos com turistas (veja pesquisas recentes sobre lêmures de estimação e turismo de vida selvagem para saber mais).
– Siga zoológicos e santuários para ter conteúdo confiável sobre vida selvagem. Zoológicos e santuários compartilham fotos e vídeos incríveis nas redes sociais todos os dias. O engajamento com esses posts espalha mídia que tem um impacto positivo no bem-estar animal em cativeiro e na conservação dos indivíduos na natureza. Uma das maneiras mais fáceis de identificar organizações de renome é procurar credenciamento da AZA, ZAA, BIAZA, EAZA, WAZA, GFAS e /ou NAPSA. Essas organizações doam milhões a esforços de conservação todos os anos, e as instituições credenciadas por elas têm padrões mais elevados de cuidado com os animais.
Quando nos preocupamos verdadeiramente com a vida selvagem, queremos que eles prosperem. Por mais difícil que seja, precisamos ter certeza de que nosso desejo de estar perto e de nos conectar com a vida selvagem não coloque em risco sua capacidade de viver e prosperar na natureza. Repensar e mudar nosso envolvimento com o conteúdo da vida selvagem nas mídias sociais – não apenas como indivíduos, mas como uma cultura – pode ter impactos reais e positivos nos animais que estamos tentando salvar.
As opiniões expressas acima são do autor e não refletem necessariamente as do The Revelator, do Center for Biological Diversity ou de seus funcionários.
Fonte: https://therevelator.org/social-media-illegal-pet-trade/
*Artigos científicos sobre efeitos de mídias sociais no comércio ilegal de animais de estimação (em inglês)
https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0208577
https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0069215
https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0022050