Chimpanzés selvagens têm diversidade cultural, diz estudo
postado em 24 out 2007

(Reprodução de matéria publicada no Jornal O Estado em 22.10.2007)

Comparação entre comportamentos e genes indica que esses primatas aprendem em seu meio social
Carlos Orsi – estadao.com.br

Reuters
Genética não explica os diferentes comportamentos de grupos de chimpanzés
SÃO PAULO – A capacidade de aprender, e de mudar ou melhorar o que foi aprendido, não é exclusiva do ser humano. Pelo menos uma outra espécie parece ter esse poder: os chimpanzés, mesmo em estado selvagem. É o que sugere uma nova análise realizada por pesquisadores britânicos e canadenses, publicada nesta semana no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).

Vários comportamentos observados em chimpanzés selvagens, como o uso de gravetos para “pescar” formigas, ou de sistemas rústicos de martelo e bigorna para quebrar nozes, parecem ser características aprendidas no meio social desses primatas – ainda mais, porque são comportamentos praticados de formas diversas em diferentes grupos.

Mas essa “diversidade cultural” também poderia ser explicada por variações genéticas ou ambientais. “Comportamentos são considerados culturais se exibirem variação entre grupos e não exista nenhum fator ambiental óbvio, como a falta de um material ou recurso, que possa explicar sua ausência em todas as áreas onde ele não ocorre”, explica o principal autor do artigo na PNAS, Stephen J. Lycett, da Universidade de Liverpool.

No entanto, a exclusão de causas ambientais não é conclusiva, porque deixa aberta a possibilidade de uma explicação biológica para a aparente diversidade cultural – elas estariam nos genes. O trabalho de Lycett concentrou-se, exatamente, em examinar essa hipótese.

Gravetos e bigornas

Para tanto, o pesquisador e seus colegas selecionaram 39 comportamentos de chimpanzés que poderiam ser vistos como produto de aprendizado e criaram um mapa das “diferenças culturais” entre duas subespécies – Pan troglodytes schweinfurthii e Pan troglodytes verus – e em comunidades dentro das subespécies.

No mapa, um diagrama semelhante a uma árvore genealógica, grupos de comportamentos semelhantes foram colocados próximos uns dos outros.

“Chimpanzés (das regiões africanas) de Bossou, Tai e Gombe usam gravetos para coletar formigas para comer, enquanto que chimpanzés de Mahale, Kibale e Budongo, não”, exemplifica Lycett. “Em Bossou, os chimpanzés só usam martelos e bigornas de pedra e quebram apenas uma espécie de castanha. Em Tai, usam tanto martelos de madeira quanto de pedra, e bigornas de raiz e de pedra, para quebrar até cinco tipos diferentes de castanha”.

Em outro mapa, os cientistas criaram uma árvore das diferenças genéticas entre os grupos e subespécies analisados. Se a aparência de diversidade cultural fosse, na verdade, reflexo exclusivo de diferenças genéticas, os dois gráficos deveriam coincidir em uma série de características. Feita a análise, porém, não foi o que aconteceu.

“As diferenças culturais entre chimpanzés da África Ocidental e Oriental não podem ser explicadas pelas diferenças genéticas”, diz o pesquisador.

Ele acredita que a presença do aprendizado em chimpanzés “demonstra que as raízes evolucionárias das capacidades culturais da humanidade podem ser vistas claramente em nossos parentes primatas mais próximos. Podemos ver um pouco de como eram capacidade culturais de nossos ancestrais nos chimpanzés vivos”.

Mas Lycett adverte que a diversidade cultural está ligada ao tamanho das populações, e com a redução do número de chimpanzés por causa das atividade humanas, “alguns comportamentos que vemos em nossos parentes chimpanzés vão se perder”.

Cultura e símbolo

O artigo da equipe de Lycett na PNAS sugere, ainda, que as fêmeas são os principais vetores de transmissão de cultura entre diferentes comunidades de chimpanzés, já que são elas que costumam emigrar ao atingir a maturidade, enquanto que encontros entre machos adultos de grupos diferentes muitas vezes terminam em violência.

A antropóloga brasileira Eliane Rapchan, da Universidade Estadual de Maringá (PR), autora artigos sobre a possibilidade de cultura entre chimpanzés, elogia o trabalho de Lycett, mas adverte que é preciso distinguir entre “cultura” – termo usado pelo pesquisador britânico para se referir aos diferentes comportamentos dos chimpanzés – e o “aprendizado social” que foi constatado entre os símios.

O conceito de cultura, lembra ela, envolve produção simbólica, além de mitos, regras e rituais. “Se a transmissão de elementos abstratos for registrada através de pesquisa, poderíamos, então, começar a discutir sobre a capacidade simbólica dos chimpanzés e suas possibilidades de produzir cultura”, afirma.

FONTE: http://www.estadao.com.br/vidae/not_vid68976,0.htm