SANTUÁRIO DE SOROCABA
Charles é um dos maiores chimpanzés que temos no Santuário do GAP em Sorocaba. Ele veio do Zoológico de Ribeirão Preto voluntariamente, pois o mesmo considerava que continuar submetendo-o à exibição pública poderia terminar numa tragédia. Charles se auto-mutilava, especialmente nas épocas de férias escolares e finais de semana, quando o volume de público aumentava e não o deixava em paz, assediando-o em seu pequeno recinto.
Charles também não gosta de mim. Por que? Difícil de explicar. Foi ódio a primeira vista. No dia seguinte a sua chegada, passei para vê-lo, coloquei meu tênis perto dele e ele tentou arrancar meu pé junto com o tênis. Mais recentemente, planejou pegar-me e conseguiu. Durante semanas aparentava amizade e baixei a guarda com ele. Um dia coloquei um suco em sua bandeja e ele conseguiu agarrar o meu braço esquerdo; tentou introduzi-lo pelo buraco da tela, para possivelmente arrancá-lo. Por sorte terminou levando o meu casaco e não o meu braço. Por outro lado, Charles é muito carinhoso com os tratadores e as veterinárias. O problema comigo é pessoal.
Quando Charles chegou, o colocamos junto com Francis e Quennie, “as bolivianas”, como nós as chamamos, já que vieram de um Zoológico em La Paz e pretendia eutanasiá-las porque não tinha verba para alimentá-las. O Dr. Miguel Vaudano, Coodenador Adjunto do Projeto GAP, foi à Bolívia e convenceu os vereadores da capital a entregá-las ao GAP, o que aconteceu há mais de 7 anos. Francis e Quennie chegaram à Bolívia procedente de um Zoológico Norte-Americano e sofreram muito, tanto nos Estados Unidos como na Bolívia.
Quando as colocamos com Charles, durante alguns meses viveram bem. Mas um dia Quennie apareceu ferida profundamente em sua nádega, devido a uma mordida de Charles. Talvez Charles tenha tentado copular com ela e não conseguiu, já que ele demonstra ser impotente. Ele tomou anti-depressivos para combater as auto-mutilações. Tivemos que separá-los. Durante vários anos, eles se relacionaram pela janela de ambos recintos, mas não existia a possibilidade de Charles agredi-las de novo. Quennie acabou falecendo alguns meses atrás.
Francis é mais meiga e delicada que Quennie, inclusive com os humanos. Após vários meses de observação depois da morte de Quennie, abrimos as portas dos recintos de ambos e os juntamos. Já estão juntos há mais de um mês e se relacionam muito bem. Compartem comida e se visitam um ao outro em cada recinto. Continuamos colocando a comida em ambos recintos e abrindo os dormitórios, de forma a preservar a territorialidade por enquanto. É interessante observar que na hora de dormir, na maior parte das vezes, cada um dorme em seu dormitório e poucas vezes compartilham o mesmo ambiente.
Charles está mais calmo, inclusive comigo, agora que ele está acompanhado. Os chimpanzés solitários são um poço de problemas e, como no caso dos humanos, a solidão deve ser evitada sempre que for possível.
Dr. Pedro A. Ynterian
Presidente, Projeto GAP Internacional