Não se assustem. Não é fake news. Os chimpanzés, como todos os seres humanos vivos, têm uma forma de expressar seus sentimentos e desejos. Os chimpanzés se aproximam muito aos humanos na comunicação de suas emoções e estado de espírito. Nós que levamos 20 anos convivendo com eles podemos dar fé na sua aptidão. A comunicação dos chimpanzés é por gestos, expressões faciais, atitudes e sons diversos que emitem. Há milhões de anos atrás, nós também nos comunicávamos assim, fomos evoluindo até desenvolver nossa linguagem falada e escrita.
Na polêmica em torno de Black, desatada por humanos, nunca se parou para pensar por que não perguntar a ele mesmo, qual seria sua preferência de destino. Porém não demorou muito até que Black, em sua forma de expressão, falou o que ele “NÃO DESEJAVA”. E era ficar no zoológico. Como isso aconteceu? Muito simples assim: Uma semana após sua transferência para nosso Santuário, uma delegação do Zoológico foi visitá-lo, como estava previamente combinado, para avaliar como ele estava. Quando Black viu o pessoal do Zoológico ficou realmente bravo, pensou que novamente iriam tirá-lo do Santuário e devolvê-lo para o Zoo. Como não sabia o que estava acontecendo, começou a pedir ajuda ao nosso pessoal que o tinha trazido, para que não tirassem ele de lá. Nesse momento Black falou para todos os que sinceramente desejam o melhor para ele, que sua decisão é ficar no Santuário, acompanhado por seus iguais e não como peça de exibição para os humanos em um zoológico.
Não é a primeira vez que isso acontece. No passado alguns ex-proprietários, para assim chamá-los, de chimpanzés que estão conosco desejaram visitá-los. Inicialmente não fazíamos obstáculos, até que percebemos que a reação era muito negativa. Eles ficavam bravos, irritados, rechaçavam a visita e paramos de aceitá-las. Os chimpanzés não entendem porquê eles estão lá, porém sabem comparar sua vida anterior miserável com a vida atual sem exposição ao público e vêem no passado representado por aqueles que eram seus ex-donos a volta a uma vida indesejada.
Geralmente um chimpanzé dificilmente entra por sua própria vontade numa caixa de transporte se não estiver anestesiado. Como o Zoológico insistiu que não queria anestesia, nós confiamos na inteligência e memória do Black para tomar a decisão. A caixa foi colocada na presença de nossa equipe técnica. Tinha uma pessoa que ele deve ter conhecido da época que ficou alguns meses no Santuário, enquanto seu recinto era reformado. Ele se lembrou da caixa em que foi e na caixa que voltou para o Zoológico. Ele viu naquela situação uma clara sinalização que se entrasse naquela caixa voltaria para o local onde estavam seus iguais. Pensou 2 horas e entrou, em silêncio, sem fazer reação ao ser fechado, e durante toda a viagem ficou em silêncio. Ele sabia para onde estava indo. Os gritos dos chimpanzés do Santuário ao entrar pelo portão da Rodovia Castelo Branco lhe confirmaram que tinha tomado a decisão certa.
Black viveu a maior parte da sua vida em um exíguo recinto de muros, onde o público o enxergava de cima e o perturbava 10 horas por dia. As outras 14 horas, passava em um minúsculo cubículo fechado de menos de 20 metros quadrados, junto com os restos da comida daquela noite. Qualquer ser inteligente colocado nesta situação enlouquece.
Aqueles que defendem sua permanência no Zoológico, os desafiamos que fiquem 1 semana naquele recinto, nas condições que Black vivia. Nunca mais defenderão manter chimpanzés em Zoológico nenhum.
A rotina de Black em nosso Santuário, como dos outros 50 iguais a ele, é muito diferente. Nós somos dos poucos Santuários no mundo em que os chimpanzés são totalmente livres dentro do território de seu recinto; eles têm acesso 24 horas ao dormitório, ao refeitório e à parte externa. Eles escolhem se dormem dentro ou fora. Fora tem casas altas, com cestos que dominam uma grande parte do Santuário e dos outros recintos. Essa liberdade não existe em nenhum Zoológico do Brasil ou do mundo, que eu conheça. Os chimpanzés da maioria dos Zoológicos ficam 14 horas por dia trancafiados em pequenos cubículos, junto com a comida e os roedores que rodeavam seus recintos e seus alimentos.
A parte externa de nossos recintos vão de 1.000 até 14.000 metros quadrados. Temos um recinto com 3 chimpanzés em 14.000 metros quadrados. Não existe no mundo nenhum Zoológico que possa oferecer essa qualidade de vida a um grande primata.
Outra das falácias comentadas nos últimos dias é sobre a vegetação. Por que não tem árvores no recinto de Black? Primeiro ele está em quarentena, até comprovar que não pode transmitir alguma doença a seus novos amigos e, em segundo lugar, os chimpanzés não vivem em árvores. Na mata africana, eles fazem seus ninhos nas árvores para se defender dos predadores que são muitos e fazem um ninho diferente cada noite. Durante o dia se locomovem em terra. Tem áreas na África onde existem cavernas naturais, eles preferem morar lá a noite.
Nós temos alguns recintos com árvores, que estavam lá, quando construímos os mesmos. Só os bebês e pequenos sobem de vez em quando nas árvores para brincar, porém adultos não têm esse costume.
Os chimpanzés têm todas as comodidades que precisam, têm camas se desejam dormir nelas, ou cobertores para fazer seus ninhos no chão das construções. Alguns dormem nos cestos aéreos construídos no teto das casas. Isso acontece especialmente nos que padecem de claustrofobia, adquirida em circos e zoológicos, e se negam a entrar em algum local que tenha uma porta que possa ser fechada.
No fim desta história absurda, somos os primeiros a reconhecer que o dilema não é Zoológico versus Santuário, mas sim Escravidão versus Liberdade. Os Santuários existem para dar uma vida melhor e mais decente a milhares de grandes primatas que em circos, zoológicos, laboratórios de experiências médicas e cativeiros privados passaram uma grande parte de suas vidas miseráveis.
A raça humana, que tanto desenvolveu tecnologia e melhorou as condições de vida de seus iguais, não pode considerar que circo com animais e zoológicos são algo dos destaques realizados no processo civilizatório. Fechar animais com muros e grades para exibi-los sem pensar no sofrimento que ocasionam nesses seres inocentes é uma prova de crueldade sem sentido que está perto de terminar.
Black já falou por todos aqueles que não querem ser mais EXPLORADOS. A Justiça humana o escutou e o libertou!
Dr. Pedro A. Ynterian
Secretário Geral do Projeto GAP Internacional