Biologia fria
postado em 19 ago 2008

Recentemente recebi a resposta de uma revista brasileira na qual tentava publicar um trabalho de comportamento dos chimpanzés aqui do santuário. É claro que eu não esperava uma aceitação de imediato, já que o normal sempre é que venham críticas e sugestões de melhoras do artigo para que somente depois a publicação seja realizada. Mas não foi isso que aconteceu. De maneira taxativa, a revista simplesmente recusou o artigo.

Minha pergunta – depois de me recuperar da “pancada”, afinal, foram horas dedicadas à elaboração deste trabalho – era apenas uma: por quê? Fui então ver as observações de cada um dos três avaliadores. Desses, apenas um aceitou uma revisão para posterior publicação, os outros foram pontuais e recusaram. Não digo que meu artigo era perfeito e livre de qualquer alteração, pois trabalhos desse tipo são escassos na literatura, o que dificulta bastante sua escrita. Reconheço e aceito as críticas/sugestões, mas o que me chamou mais a atenção foi uma frase de um deles, que dizia “(…) a semelhança genética é da ordem de 99%, enquanto que a semelhança comportamental nem se aproxima disso. A complexidade do comportamento humano é exponencialmente superior”.

Não quero que esse texto seja encarado como uma vingança pessoal (afinal, tenho a consciência de que não foi o primeiro e não será o ultimo artigo recusado), mas como um alerta de como alguns acadêmicos ainda se portam frente a questões como essa, que retardam e atrapalham a luta do Projeto GAP.

Com esse tipo de avaliação em mãos, prova-se uma vez mais o quanto estamos distantes de uma aceitação acadêmica que reconheça a sensibilidade e inteligência desses primatas. São inúmeros os trabalhos (principalmente estrangeiros) que argumentam tais capacidades aos chimpanzés, bonobos, gorilas e orangotangos, todos primatas, assim como nós! Ao mesmo tempo, não são tão raras recusas desse tipo que demonstram, mais do que qualquer outro possível defeito do artigo, que a ciência em si não está apta a admitir ?características humanas? aos demais grandes primatas. E olha que eu me refiro apenas aos grandes primatas, sem entrar no mérito ou não dos demais animais!

Como pode a Biologia, mãe de todas as Ciências da Vida, ser tão fria? Como exigir “a descrição dos resultados de maneira mais objetiva e baseada em dados de preferência numéricos ao invés de baseado em observações quase assimétricas e medidas imprecisas”? Não é uma ciência exata, onde sempre se pode comprovar por A + B determinada hipótese. O estudo da vida é mais do que isso. É uma ciência que requer sensibilidade de seus pesquisadores e daqueles que se dispõe a desfrutá-la. Alegar que uma “revisão bibliográfica está com tendência ao mentalismo e antropomorfismo (tendência a atribuir aos outros primatas características do humano)” e que “muitos problemas de antropomorfismo poderão ser evitados” é negar um fato. Fato este tão exigido pelas ciências biológicas. Não seria o pior cego aquele que não quer enxergar?
Concluindo, não creio que a Biologia e demais ciências naturais devem ser mais humana, e sim mais primata, dotada de sensibilidade, inteligência e livre de preconceitos.


Msc. Luiz Fernando Leal Padulla
Biólogo
Santuário GAP/Sorocaba