Beto Carrero, que em paz descanse
postado em 01 fev 2008

“NOSSA ÚLTIMA CONVERSA”


Era uma quarta-feira, 16 de janeiro passado, em São Paulo, Beto chegava de Santa Catarina pouco antes do meio-dia, eu já estava aqui, vindo de Sorocaba. Nosso encontro marcado era num restaurante dos Jardins que ele apreciava desde os tempos quando era mais jovem, onde ele conheceu o dono há 30 anos, e soubemos que continuava sendo a mesma pessoa, e a comida continuava sendo de primeira. Beto apreciava a boa mesa. Nós acabávamos de sair de uma dura disputa judicial pela posse de cinco chimpanzés do extinto Circo Garcia, e Beto teve que devolvê-los ao Santuário de Curitiba, junto com um bebê que tinha nascido no período em que eles ficaram no Parque de Santa Catarina.
 
Tomei a iniciativa de procurá-lo. Éramos amigos até eclodir a disputa pelos chimpanzés do ex-Circo Garcia. Eu queria que Beto estivesse do nosso lado, e não em nossa frente como um inimigo. Ele entendeu e aceitou reatar a conversa, e fazer ressurgir a amizade. Nós somos passageiros, a causa dos Grandes Primatas é permanente.
 
Ele me surpreendeu, quando me falou “Pedro, eu quero ser o quinto Santuário do GAP …”. “Eu estou eliminando os animais do último circo que tenho, que está dentro do Parque, os outros dois itinerantes não são meus, usam meu nome, e estou tentando cancelar esse acordo. Este ano nosso circo em Santa Catarina será só de humanos. E faz tempo que acho que grandes primatas e elefantes não deveriam ser usados no entretenimento em circos e similares. A exibição de animais (referindo-se ao seu zoológico dentro do Parque) agora só atrai criancinhas, os adolescentes não se interessam mais em ver animais em cativeiro. O mundo mudou, as novas gerações têm outra mentalidade, nós temos que evoluir da mesma forma que a mente humana evolui”. Palavras surpreendentes para quem não o conhecia.
 
Eu tentei explicar a Beto que para ser um Santuário ele não poderia ter visitação pública, como tem em seu zoológico. Aí fiz a proposta para ele de entregar os chimpanzés que ele ainda tem em seu Parque para nossos Santuários, e juntar-se ao Projeto GAP na luta pelos direitos dos Grandes Primatas. Ele me falou do Centro de Primatologia que tinha construído recentemente, em seu espírito competitivo contra nós, porém eu lhe expliquei que no Brasil tem mais de 70 espécies de primatas que podem ser acolhidos nesse Centro, e os Grandes Primatas ficariam em nossos Santuários. Também lhe expliquei que está provado que os chimpanzés em exibição pública sofrem mais estresses do que nos circos. Ele já tinha lido esses trabalhos que provavam isso, segundo me falou.
 
Deixamos a primeira conversa em aberto, para ele pensar a melhor alternativa e forma de colaborar entre nós. Quando o levei de volta ao seu escritório na Av. Rebouças comentei “Beto, usa tua grande mente criativa para chegar a um entendimento conosco, que permita que todos os chimpanzés no Brasil tenham um destino decente, que é o mínimo que podemos dar para eles”. A segunda conversa não aconteceu, a morte chegou primeiro, porém o problema ficou para outros resolverem. Aqueles que trabalharam anos a fio com Beto, e que com seus defeitos e virtudes, o admiraram e o queriam, pensem que o melhor tributo que podem fazer em sua memória, é dar um destino que ele já enxergava, para os que ficaram para trás.
 
Dr. Pedro A. Ynterian
Diretor Internacional
Projeto GAP
www.projetogap.org.br


01.02.08