Bactérias, macacos e homens
postado em 29 set 2016

ARTIGO
Drauzio Varella

O processo evolutivo de nossa espécie não foi solitário. Na intimidade de nossas vísceras, trilhões de bactérias seguiram a mesma trilha, desde quando descemos das árvores nas savanas da África.
No decorrer de milhões de anos, perdemos alguns germes que persistem até hoje em nossos parentes mais chegados: chimpanzés, bonobos e gorilas. É provável que essas modificações na composição da flora bacteriana, que deram origem ao atual microbioma humano, expliquem problemas díspares como obesidade, alguns tipos de câncer e transtornos mentais.
Há anos queremos saber se herdamos de nossos ancestrais primatas arbóreos os germes que nos habitam, ou se eles foram adquiridos no ambiente.
Pesquisas com bactérias fecais em mamíferos sugerem ser mais provável a herança do que a participação do ambiente. Alguns estudiosos, no entanto, sugerem que a dieta e os antibióticos tenham exercido influência decisiva na seleção natural das bactérias que sobreviveram em nosso trato digestivo.
Leia também: A genética das raças
Para esclarecer essas dúvidas, Andrew Moeller, da Universidade da Califórnia, estudou bactérias isoladas de amostras fecais de 47 chimpanzés da Tanzânia, 24 bonobos da República Democrática do Congo, 24 gorilas de Camarões e 16 seres humanos de Connecticut, nos Estados Unidos.
Em colaboração com pesquisadores da Universidade do Texas, foram comparadas as sequências de DNA de um gene frequente nas bactérias que habitam os intestinos dos grandes primatas (inclusive os humanos). A partir dessas sequências, foi possível desenhar a árvore genealógica das bactérias.
A conclusão é que elas tiveram origem em um ancestral comum a todos os grandes primatas, que viveu há 15 milhões de anos. À medida que a linhagem desse ancestral divergiu dando origem a chimpanzés, bonobos, gorilas, orangotangos e humanos, as bactérias presentes em seus intestinos coevoluíram em paralelo (coespeciação) para adaptar-se às diferenças de dietas, habitats e doenças do trato digestivo das novas espécies.
Em dias recentes, esses germes fizeram o ajuste fino que lhes permitiu adaptar-se ao sistema imunológico dos hospedeiros, influenciar o desenvolvimento das células intestinais e modular nossos humores e comportamentos.
Depois que os grandes primatas divergiram, alguns deixaram para trás bactérias que persistiram em outros.
Em outro experimento, o grupo se concentrou no microbioma humano. Foram comparadas as mesmas sequências de DNA da pesquisa anterior, desta vez em pessoas de Connecticut e do Malaui, na África.
Demonstraram que as sequências de DNA das bactérias presentes no intestino dos africanos e dos norte-americanos divergiram há 1,7 milhão de anos, época que corresponde aos primeiros êxodos do continente africano realizados por nossos ancestrais.
Curiosamente, certas bactérias intestinais presentes nos malauis – e também em chimpanzés e gorilas – não são encontradas nos norte-americanos, ressaltando a influência da dieta e do estilo de vida na redução da diversidade do microbioma encontrada nas sociedades industrializadas.

Publicado em 13/09/2016.
Revisado em 14/09/2016.

http://drauziovarella.com.br/drauzio/artigos/bacterias-macacos-e-homens/