Há quase 20 anos, compramos um pequeno sítio de pouco mais de três alqueires na zona rural de Sorocaba. Era um sítio de fim de semana como muitos nas redondezas. Um ano depois, já estávamos montando o Criadouro Conservacionista Velho Jatobá, que em cinco anos se converteu em um lar para mais de 150 animais resgatados de traficantes e particulares sem condições de cuidá-los.
Quinze anos atrás, com o surgimento do bebê chimpanzé Guga em nossas vidas, iniciamos a construção do Santuário de Grandes Primatas do GAP, convertendo os dois empreendimentos em um só (Mantenedor de Fauna Silvestre e Exótica), que acolhe atualmente mais de 250 indivíduos.
Quando compramos o primeiro sítio – que no decorrer dos anos foi ampliado até chegar aos 23 alqueires atuais -, tínhamos um lago no fim dele. Aquele lago foi aprofundado e aumentado a fim de ser duplicado e deu moradia a centenas de espécies silvestres como aves, mamíferos, peixes e todo tipo de animais. A proibição da pesca e caça anos atrás era importante, já que os homens agiam como predadores, destruindo a natureza sem dó.
Mais recentemente, a predação veio de outra origem. A área perto da Rodovia Presidente Castelo Branco foi convertida num polo industrial e a empresa Toyota comprou mais de um milhão de metros quadrados (a 500 metros do Santuário) para construir uma segunda fábrica no Brasil.
Os poderes público municipal e estadual construíram extraordinárias benfeitorias para ter a montadora japonesa naquele local. Em 20 anos nenhuma das estradas que nos circundam foram cuidadas ou asfaltadas e continuam até hoje assim. Porém, ao redor da Toyota, o asfalto ocupou cada metro quadrado de via pública.
Há dois anos, um desastre ecológico aconteceu. Um dia, no fim de 2011, os nossos lagos foram invadidos por lama, pedra e areia após um temporal. Alguns meses antes, a Toyota tinha terminado uma pista de testes de seus veículos, beirando a estrada da Campininha, sem proteção suficiente para que, em caso de temporais, inibisse que lama, pedra e areia invadissem as propriedades vizinhas e nos atingisse.
Escrevemos para a montadora Toyota. Realizaram reuniões, vistorias, etc. A Toyota estava procurando algum culpável, exceto eles. Contratou, após meses de discussão, uma empresa que apresentou um laudo “fantasioso”, achando que um açude num sítio vizinho é que tinha rompido e causou o desastre ecológico. Porém, fomos atrás e além de fotografar toda área e tomar amostras de pedras, material que vinha da estrada da Toyota, informamos que aquele açude tinha rebentado em 2009 e nunca mais foi reconstruído.
Como percebemos que a montadora queria “empurrar com a barriga” o problema até o cansaço, optamos por fazer o nosso relatório destinado à Secretaria de Meio Ambiente de Sorocaba, para que investigasse e tomasse as providências.
A última enxurrada aconteceu no dia 12 de abril deste ano (sábado passado). Um mar de lama e areia continuou invadindo os nossos lagos, que praticamente não existem mais. De dois metros de profundidade passou para apenas 50 centímetros – centenas de peixes morreram, os quais davam sustento a dezenas de aves. Um desastre ambiental no meio de um Santuário que resgata e valoriza a vida silvestre. Talvez, algum dia a montadora japonesa entenda o que isso significa.
Nos Estados Unidos, a imprensa relata que demoraram quatro anos para reconhecer que um defeito de aceleração nos carros era sua culpa. Tiveram que pagar 1,2 bilhões de dólares para Justiça Norte-Americana.
No início, nos pareceu que eles acharam que buscávamos compensação econômica. Foi esclarecido que o dinheiro deles não nos interessa, como eles também não podem ressuscitar os milhares de animais que pereceram nestes dois anos de enxurradas. Queremos que pelo menos consertem o dano e garantam que nunca mais vai acontecer, de forma que os seres inocentes que por ventura lá se abriguem no futuro não tenham seu lar convertido em um cemitério, como aconteceu com seus predecessores.
Dr. Pedro A. Ynterian
Presidente, Projeto GAP Internacional
Fonte: http://www.anda.jor.br/29/04/2014/ultima-enxurrada
Imagens da situação local em 2014