RON, A TESTEMUNHA
Ninguém sabe sua verdadeira idade nem onde nasceu. Nos arquivos médicos menciona-se 1° de setembro de 1976, porém, parece que seu nascimento remonta a 1973. Ninguém sabe quem são seus pais nem de onde vieram. A primeira notícia de sua existência é de 24 de junho de 1987. O calvário de Ron começou talvez aí, quando recebeu seu primeiro exame médico no centro de torturas médicas, chamado LEMSIP (Laboratory for Experimental Medicine and Surgery in Primates). Porém, um detalhe em sua ficha médica mencionava que ele procedia de “West Point”, fora de uma conhecida Academia Militar, lá também era a sede do Laboratório Farmacêutico Merck (MSD), que usava chimpanzés em experiências biomédicas na década de 70 e 80.
Quando Ron chegou, com aproximados 14 anos de idade, a LEMSIP, já pesava 65 kg e estava bem desenvolvido. Nos 9 anos em LEMSIP ele foi anestesiado 105 vezes com o anestéciso Ketamina, em muitas ocasiões foi mantido anestesiado durante 6 horas seguidas, enquanto era extraído sangue dele repetidamente. Ele vivia numa diminuta gaiola, suspendida no ar. O único comentário de um veterinário em sua ficha médica, foi “ele precisa de uma gaiola maior …”. Porém, ele sabia que em LEMSIP não existiam gaiolas maiores, lá o que existia era a brutalidade em sua máxima expressão e ninguém dos que lá trabalhavam – que nem humanos podemos considerar que fossem – teve compaixão por aqueles seres torturados e se insurgiu com o que lá acontecia.
No fim da década de 90 LEMSIP foi fechado e os inocentes lá trucidados terminaram em outro centro de terror, os laboratórios da Fundação Coulston, em Alamogordo, no Estado do Novo México.
Em 1997 observaram que Ron tinha um ecocardiograma anormal, mas não deram importância, alegando que era efeito das anestesias repetidas. Foi transportado então para a Base da Força Aérea de Holloman, perto do local onde estava, e incluído no programa de pesquisa médica. Foi anestesiado 16 vezes num período de 5 semanas. Após o estudo concluído foi devolvido à fundação Coulston. Porém, a brutalidade continuou.
Em 1998 Ron foi transportado de novo aos laboratórios da Base Aérea e foi designado como parte do Estudo n° 981109, que era conhecido como o Estudo de Dinâmica Cervical. A experiência consistiu em extrair uma vértebra cervical saudável dele e substituí-la por uma prótese em seu pescoço. A prótese ficou 6 meses na coluna vertebral de Ron e mais tarde removida cirurgicamente. Segundo se lê na ficha médica, durante este procedimento que durou 8 dias após a cirurgia, não deram a ele nenhum analgésico. Ele padeceu daquela terrível dor sem ela ser mitigada. No fim deram a ele uma aspirina duas vezes por dia durante 3 dias. Ninguém imagina o que Ron sofreu naquela experiência que só pode ter sido criada por seres brutais ao extremo.
Em 2002 a Dra. Carole Noon assumiu o controle das instalações da Fundação Coulston, aonde Ron tinha retornado e o encontrou, como dezenas de outros chimpanzés, numa cela, que ela chamou de calabouço, sozinho e abandonado, esperando uma morte que tanto desejou para deixar de sofrer em mãos humanas. Ron sempre foi um lutador, sobreviveu a tudo, não guardou rancor em sua alma e se converteu no “amado Ron” dos tratadores em Alamogordo, enquanto aguardava seu traslado para o Santuário na Flórida.
Em 2003 a veterinária Jocelyn Bezner, da equipe do Santuário, em Alamogordo, observou que o coração de Ron não estava bem. Seu primeiro ultrasom não mostrou danos severos, mas em 2004 Ron dava sintomas de que seu coração poderia parar a qualquer momento. E assim aconteceu, durante um outro exame, parou de respirar e os batimentos de seu pulso desapareciam. Bezner o ressuscitou, porém, ele parou de novo de respirar, isso aconteceu 4 vezes seguidas. Na quarta vez o presságio era final, era melhor deixa-lo morrer em paz e quando já era dado como morto, Ron voltou a vida. Ele já quis morrer muitas vezes, porém não agora que estava em mãos amigas, que lutavam por ele. Um cardiologista humano o examinou e recomendou um tratamento intensivo, já que seu coração estava em péssimas condições.
Quando melhorou, a Dra. Carole Noon começou a fazer planos para leva-lo à Flórida. Ron tinha que conhecer outra vida e entender que todos os humanos não eram como os carrascos que o torturaram em LEMSIP, Coulston e na Base Aérea de Holloman.
Em maio de 2005, Ron foi transferido ao Santuário Save the Chimps em Fort Pierce, Flórida. A televisão acompanhou sua vida e sua viagem com um documentário “Chimpanzees: An Unnatural History”. No início Ron não quis pisar na grama da ilha, era um mundo desconhecido para ele, ficou semanas no concreto dos dormitórios, até que um dia incentivado por uma companhia inesperada, a bebê Melody, para a qual se converteu no pai adotivo, pisou na ilha, subiu nas plataformas e deitou sob o céu azul e o sol quente da Flórida, que em seus mais de 30 anos de reclusão, nunca tinha experimentado.
No dia 10 de outubro passado, Ron decidiu partir deste mundo e encontrar a paz e a compaixão em outras galáxias, onde não existam torturas e torturadores, que usem o corpo de um ser inocente para saciar sua insânia e brutalidade.
Ron sobreviveu a tudo, para que sua história fosse contada ao mundo, para que NUNCA MAIS UM CHIMPANZÉ SEJA TORTURADO TÃO SELVAGEMENTE COM NENHUM FIM. Ele é um Mártir a mais desta luta de sua espécie por um lugar ao sol!
Dr. Pedro A. Ynterian
Presidente, Projeto GAP Internacional