Uma viagem para o fim da terra me revelou profundos novos insights sobre nosso relacionamento com os animais
Por RANDY MALAMUD *
Ao pisar na remota Ilha Martillo, na Terra do Fogo, na Argentina, minha primeira impressão foi a de que os pinguins que eu tinha ido visitar pareciam muito satisfeitos de não estar em um zoológico. Pinguins que se deparam com os seres humanos, em geral, não têm o luxo de estar em casa para o encontro.
Eu não acho que eles tenham se importado de eu estar lá. Nosso grupo de 20 pessoas foi tranquilo e cuidadosamente respeitoso enquanto chegávamos a suas terras, demonstrando uma admiração desenfreada, o que tenho certeza que essas aves notaram e apreciaram. Nós seguimos as regras e ficamos nas trilhas demarcadas. Os pinguins, às vezes, vagavam sobre elas também. Eu quase pisei em um filhote que correu sob meus pés. Assustado, pulei para trás imediatamente; o bebê parecia OK.
Eu poderia ter visitado pinguins muito convenientemente no popular e elegante aquário que fica à direita da rua do meu escritório em Atlanta, com um valor de entrada de U$ 38,95, um pouco alto, ma, teria sido milhares de dólares mais barato do que o custo para voar para o final do mundo na Argentina (“fin del mundo”, conforme placas nos lembravam copiosamente e desnecessariamente).
Mas eu não vou a zoológicos e aquários, então eu raramente vejo esses animais espetacularmente fascinantes. Quando eu os encontro, porém, tenho experiências que são tão memoráveis quanto são pouco frequentes. Minha aventura de uma vez na vida de uma hora no mundo dos pinguins era incomparavelmente mais intensa do que os passeios em jardins zoológicos que fazia antes de parar de mantê-los.
Embora eu sempre tenha amado ver animais incríveis, venho concluindo que visitas a zoológicos são como experiências de consumidores que fazem pouco mais do que celebrar o poder do homem de capturar e exibir uma coleção de espécimes exóticos em uma espécie de shopping. Espere na linha, pegue uma senha para ver os ursos polares, segunda porta à sua esquerda; os dragões de Komodo, no mezanino. Saia pela loja de presentes.
Pode haver algumas similaridades nominais entre os milhares de pinguins da colônia Sul Americana (principalmente Magellenic e Gentoo) e as poucas dezenas de pinguins africanos no aquário de Atlanta. Mas existem disparidades fundamentais entre os enjaulados e os pinguins em vida livre, pois estes vivem onde devem viver, muito longe (de mim) em uma região de céu incrível, com espaço, montanhas, vento, água – tudo o que constitui a essência do seu mundo, e que é tão completamente ausente do escuro conjunto arquitetônico do aquário, apertado, não natural.
O que é mais impressionante sobre os pinguins em cativeiro é o quanto não-pinguins eles se tornaram; despidos de seus mundos, suas vidas. Se eu tivesse que sofrer as privações que eles têm em cativeiro, estaria mais morto do que vivo.
Eu conheci cangurus na Austrália, camelos na Jordânia, preguiças na Costa Rica, alces em Montana – tudo na natureza, onde eles pertencem. (Será que isso soa pretensioso dizer “Eu conheci” ao invés de “eu já vi”? Espero que não. Sinto como um relato preciso do que aconteceu). Eu desisti de zoológicos quando superei a experiência de viagens de campo e festas de aniversário, e, desde então, eu não tenho visto girafas, hipopótamos, lêmures, ursos ou tigres. Talvez eu venha a encontrar lêmures, em algum momento, se eu conseguir chegar ao local onde vivem, e, se não conseguir, nesse caso eu não vou. Eu vou sobreviver (assim como eles).
Ao visitar os pinguins no fim do mundo, fiquei hipnotizado por suas atividades tão vívidas e agitadas: desfilando e chamando a atenção com barulhos, cuidando e abraçando seus bebês nos pés, cavando em seus viveiros, alongando e limpando suas nadadeiras, catando suas penas descansando, mergulhando na água para buscar comida. Dois ou três pinguins rei com a postura de aristocratas monarquistas entre as centenas da peble, os quais eles pareciam considerar como seus súditos.
Havia tantos deles – era uma comunidade de pinguins, um mundo de pinguins, um ecossistema de pinguins que me rodeavam, ao contrário do que um aquário apresenta: um espécime, uma amostra de pinguim. Mesmo se houver mais de um pinguim em exposição, não é muito mais: alguns, ou mesmo algumas dezenas, não representam o que uma colônia de pinguins real é. Nos jardins zoológicos, as placas informativas podem explicar que os pinguins são animais altamente sociais, mas tal informação é uma aproximação profundamente insignificante de realmente estar em sua sociedade.
Depois do meu encontro com pinguins, posso somente começar a entendê-lo, tentar compreender o que são e como vivem, mas eu posso começar a entendê-los. Os Zoos e Aquários pretendem oferecer aos visitantes a oportunidade de ver e se conectar com outras espécies, mas o que todos eles oferecem é a oportunidade de comer com os olhos seres enjaulados diferentes, para se sentir superior a todos os animais selvagens, cujo exotismo e selvageria seus captores removeram no processo de “edutainment” (expressão em inglês para educação e entretenimento), comércio, voyeurismo e, finalmente, antropocentrismo – a ideologia que interpreta os seres humanos como os seres vivos mais importantes. (Mas nós não somos: Ecologia é uma complexa rede de interconexão, e não uma hierarquia.)
Zoológicos agradam seus clientes com a ideia de que estamos situados no topo de uma Grande Cadeia dos Seres Vivos, mestres de tudo o que pesquisamos. Olhe para toda a recompensa biológica, capturada e colocada em exposição para todos desfrutarem. Espectadores passam de gaiola em gaiola, enquanto os animais em cativeiro, que normalmente se movem através de uma extensão enormemente maior do que nós mesmos fazemos em nossas rotinas diárias, têm que suportar penetrantes olhares enquanto estão constrangidos em um espaço que é um por cento, ou um centésimo de um por cento, do tamanho de sua escala natural.
É como se, perversamente, a força animal fosse um jogo onde um ganha e um perde, e animais humanos são de alguma forma mais fortes por terem arrancado o poder de todos os outros animais que são imobilizados.
Eu percebo que preciso analisar o privilégio que me permite realizar a experiência de conhecer o animal in situ. Sou realmente muito privilegiado. E eu sei, também, que existem custos de carbono significativos e outras externalidades do ecoturismo, embora eu penso que estes são compensados pelas vantagens econômicas colhidas pelas sociedades humanas que respeitam e resguardam estes habitats dos animais de tirar o fôlego. Do ponto de vista “rede da vida”, o ecoturismo pode ser uma boa maneira para as pessoas compartilharem (e se beneficiarem da) a magnificência dos outros animais que naturalmente vivem perto deles. Algumas pessoas inteligentes podem discordar sobre a ética do ecoturismo – a raridade do meu privilégio até enfraquece a minha convicção de que ver animais maravilhosos em seu próprio ambiente é a maneira correta de interagir com eles.
Mas eu me sinto justificado sempre que viajo para seus mundos, confiante de que essas interações autênticas homem-animal são intelectualmente e espiritualmente importantes, semelhante à ideia de EO Wilson de “biofilia”: a nossa necessidade de nutrir laços entre nós e outras espécies vivas.
Foi difícil chegar a Tierra del Fuego, enquanto no aquário eu poderia comprar um ingresso, me associar e ver pinguins a cada semana. Mas eu não acho que as pessoas que vivem em Atlanta estão destinadas a ver pinguins constantemente. Eu acho que estamos destinados a vê-los talvez uma vez em nossas vidas, ou talvez, muito possivelmente, nunca. Tal raridade de ver os pinguins os torna consideravelmente mais potentes, e inspiradores na nossa imaginação, mais do que a familiaridade artificial e exploradora de vê-los sob demanda.
Espero que apreciar incríveis (e distantes) pinguins, em vez de concebê-los como criaturas monótonas e fofas que estão sempre lá, andando em suas pequenas caixas sempre que, vai induzir-nos a pensar mais profundamente sobre o modo como vivemos com eles e o que precisamos fazer para facilitar as melhores condições possíveis de coabitação interespécies (Resposta curta: reciclar, segurar o consumo excessivo, e tentar ajudar a conter o aquecimento global.)
Este interrogatório primordial da ecologia deve ser a nossa principal preocupação quando nos deparamos com outros animais: como nos relacionamos uns com os outros na rede da vida? Como podemos compartilhar a Terra?
Em Tierra del Fuego, fui humilhado pela noção de quanta sorte tive e quão honrado eu era para estar lá como convidado dos pinguins, e quão cuidadoso eu tinha que ser para não atrapalhar o seu mundo, tanto enquanto eu estava lá e também depois, quando voltei para casa.
“Preservação de Habitats” tornou-se, apropriadamente, o ponto de ensino predominante da ecologia para aliviar a ameaça de extinção generalizada de outros animais. Mas como pode espectadores de zoo apreciarem o valor de habitats dos animais através de vidros ou em gaiolas, através de amostras que foram arrancados de seus habitats para residir no centro de Atlanta?
Uma viagem para conhecer outros animais em seu próprio território nos lembra de como é vital, se quisermos ser informados e cidadãos ecologicamente responsáveis, conhecer estes animais como elas são, e de resistir ao impulso onipresente para moldá-los de formas que estejam em conformidade com nossos própris (comprovadamente) disfuncionais hábitos culturais. O verdadeiro poder e a beleza de animais, como os pinguins sul-americanos que visitei, é precisamente que eles estão muito longe de nós e do nosso mundo, literal e figurativamente, ecológica e culturalmente.
*Randy Malamud é professor de Inglês na Universidade Estadual da Geórgia. Ele é o autor do livro “The Importance of Elsewhere: The Globalist Humanist Tourist”, a ser lançado, do qual este ensaio é adaptado.
Artigo original (em inglês): http://www.salon.com/2015/08/18/the_destructive_lie_of_american_zoos_how_weve_blinded_ourselves_to_the_truths_of_the_natural_world/