(Reprodução de matéria publicada no Jornal O Estado em 19 de agosto de 2007)
Patrícia Campos Mello, Washington – O Estado de S.Paulo
Olhando assim para um bonobo, ninguém dá nada. Para olhos leigos, ele parece só mais um chimpanzé de zoológico. Mas um connaisseur sabe que o bonobo é muito mais que um macaco – ele é a esperança de que a humanidade tenha jeito.
Está certo, o bonobo é mesmo parecido com o chimpanzé. E ambos são, digamos, nossos primos – os humanos compartilham 98% de seu DNA com esses dois primatas. Mas, como diz o holandês Frans de Waal, “chimpanzés são de Marte e bonobos são de Vênus”. Waal, no caso, é um connaisseur – biólogo de formação, é o maior especialista em bonobos do mundo. Estuda primatas há 35 anos. Observa por horas a fio chimpanzés, babuínos, macacos-capuchinhos e, claro, bonobos. Faz isso em seu laboratório – o Yerkes Primate Research Center, na Universidade Emory, em Atlanta (EUA), onde dá aulas no Departamento de Psicologia – e também em zoológicos. A partir dessa experiência, já escreveu dezenas de obras sobre os animais.
Um dos grandes méritos de Frans de Waal foi ter transformado os bonobos nos bichos mais cool do mundo animal. Com seu livro Bonobo: the Forgotten Ape (sem tradução no Brasil), amplamente ilustrado com fotos eróticas, o pesquisador popularizou os macacos “paz e amor”. Bonobos têm ombros mais estreitos, são mais escuros e mais eretos que os chimpanzés. Mas o visual é o de menos. O que importa é que bonobos são sensíveis e afetuosos; chimpanzés são brutos e esquentados. Bonobos são da paz, enquanto os maquiavélicos chimpanzés vivem imersos em picuinhas de poder. Entre estes, os machos dominam as fêmeas, às vezes de forma brutal. Na sociedade dos bonobos, a vida é centrada na fêmea, e os machos continuam ligados a suas mães a vida inteira.
Chimpanzés fazem guerra; bonobos fazem sexo. O tempo inteiro e de todas as maneiras, diga-se de passagem. Sexo é parte essencial dos relacionamentos sociais entre os bonobos; ajuda a dar estabilidade ao grupo e aliviar as tensões. Antes de se alimentar, os bonobos transam. Quando não há espaço e eles ficam muito juntos, os bonobos transam. Antes de dormir, os bonobos transam. Eles fazem sexo macho com macho, fêmea com fêmea, macho com fêmea, macho com jovem, fêmea com jovem. Também se masturbam e beijam de língua. Chimpanzés só dão selinho e têm relações sexuais apenas para fins de reprodução. “Bonobos têm um erotismo criativo”, diz Frans de Waal. “São os únicos animais que fazem preliminares.”
Essa natureza pacífica e sexual dos bonobos está no centro de uma querela filosófica: afinal, nós, humanos, somos bonobos ou chimpanzés? Muitos escritores científicos, como o inglês Richard Dawkins, acreditam que o homem seja essencialmente egoísta. Trata-se da “teoria do verniz” – todos os animais são competitivos e só pensam em seus interesses. Os humanos são a mesma coisa. Quando somos legais e altruístas, trata-se apenas de um verniz, de uma camada civilizatória criada recentemente, que freia os instintos mais baixos dos seres humanos.
Frans de Waal discorda. Em seu penúltimo livro, Eu, Primata (Companhia das Letras, 2005), Frans prega que, no nível biológico, celular, o homem possa até ser assim. Mas psicologicamente não. “Acredito que o homem herdou tendências positivas, de cooperação e socialização, que explicam por que temos moral”, diz. “A moral humana não foi inventada há 2 mil anos, ela vem evoluindo, e os traços dela podem ser vistos em outros primatas.” É justamente aí que entram os bonobos, animais primordialmente solidários. Descendemos de macacos “paz e amor”, não de chimpanzés sanguinários, insiste Waal.
A fama desses macacos, podemos dizer, hippies cresceu tanto que os bonobos se transformaram em um fenômeno de cultura pop. Estampam camisetas e roupinhas de bebê, são homenageados em festas descoladas de Nova York, ganharam até sua sociedade de proteção ao bonobo. Há pouco mais de cem bonobos em cativeiro no mundo, diante de milhares de chimpanzés. Em liberdade, calcula-se que existam entre 10 mil e 20 mil bonobos, todos nas florestas do Rio Congo, na República Democrática do Congo, na África.
Mas será que existe uma certa lenda urbana em torno dos bonobos, ou eles são mesmo tão pacíficos assim? “Os bonobos brigam às vezes, mas eles são tão eficientes em resolver seus conflitos com sexo que acabam tendo mais relações sexuais e menos violência que os chimpanzés”, ensina Frans de Waal, que foi eleito este ano uma das cem pessoas mais influentes do mundo pela revista americana Time. Segundo ele, uma das maiores provas de que os bonobos são diferentes dos chimpanzés é que não existe um único registro, em cativeiro ou em liberade, de um bonobo matando outro. Já entre chimpanzés, dezenas de casos de “assassinato” e canibalismo já foram observados.
Frans de Waal quer mudar a imagem dos ancestrais do homem, sempre retratados como chimpanzés agressivos, cheios de maquinações, sede de status e propensos à guerra. Bonobos são tão geneticamente próximos ao homem quanto os chimpanzés, ele argumenta. Existe a mesma possibilidade de descendermos de macacos sanguinários ou de primatas que têm a capacidade de cooperar.
Os bonobos “parecem com a gente em tudo”, entusiasma-se o biólogo holandês. Um bonobo bebê faz muxoxo quando tem um pedido negado. No meio do ato sexual, as macacas bonobo dão gritinhos de prazer. Dois pesquisadores alemães nos anos 30, observando bonobos e chimpanzés no zoológico Hellabrunn, em Munique, chegaram à conclusão de que bonobos copulam more hominum (como homens, ou seja, estilo papai-e-mamãe), enquanto chimpanzés, more canum (como cães).
Extrapolando, poderíamos dizer: bonobos provam que Rousseau e sua teoria do bom selvagem – somos naturalmente bons, mas corrompidos pela sociedade – estavam certos; e Thomas Hobbes e sua visão de que somos egoístas contidos pelo contrato social estavam errados? “Os dois tinham visões muito extremas da humanidade”, opina Frans de Waal. “Hobbes diz que os humanos estão eternamente competindo entre si, enquanto Rousseau pensa que não precisamos de ninguém.” De qualquer maneira, ele diz, “o bonobo se assentaria melhor com Rousseau”.
E os humanos, estão mais para bonobo ou chimpanzé? “Humanos têm um pouco dos dois – as tendências territoriais e agressivas dos chimpanzés, que muitas vezes são úteis para nossa proteção, e também uma ótima habilidade de resolver conflitos e cooperar com os outros.”
Para Frans de Waal, somos uma espécie de meio-termo: temos muito do bonobo, mas nos comportamos como chimpanzés. “No fundo, no fundo, somos uns bípedes bipolares.”
A natureza pacífica e sexual dos bonobos está no centro de uma querela filosófica:
nós humanos somos bonobos ou chimpanzés? O inglês Richard Dawkins acredita que todos os
animais são egoístas, incluindo o ser humano. Frans de Waal discorda
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“Eles têm um erotismo criativo. São os únicos animais que fazem preliminares”
GENTE BOA
“A moral humana não foi inventada há 2 mil anos. Há traços dela em outros primatas”
CONCLUINDO
“Humanos têm um pouco de bonobos e de chimpanzés. No fundo, somos bípedes bipolares”
Fonte: http://www.estadao.com.br/suplementos/not_sup37012,0.htm