Nós humanos colocamos em nossas atitudes, em tudo o que fazemos, as características da nossa personalidade, do nosso modo de ser. Assim também acontece com nossos irmãos chimpanzés.
Num dia muito quente de verão resolvemos dar para os três chimpanzés mais novos do Santuário, blocos de gelo com frutas dentro. Havíamos preparado dois em potes de sorvete de 2 litros e um em uma garrafa plástica de 5 litros. Decidimos colocar os três no mesmo lugar, para que eles escolhessem e, é claro, que o maior acabou nas mãos da Camila, uma fêmea dominante, de nove anos de idade. Os outros dois, sobraram para o Serginho também de nove anos e a Ana de onze anos. Esta que é toda meiga, quieta e sossegada, pegou o seu bloco de gelo, levou-o correndo até a rede onde se deitou e ficou lambendo e chupando o gelo até alcançar as frutas e comê-las. Acredito que a metade derreteu e se perdeu na grama onde pingava, pois a Ana fez tudo no seu estilo, bem devagar.
O Serginho a princípio segurava seu bloco com as mãos e lambia, porém estas foram ficando dormentes por causa do gelo. Seu próximo passo foi usar os pés para segurar, enquanto ficava sacudindo as mãos para voltar a senti-las. Mas assim também não era uma boa idéia. Resolvi dar algumas ferramentas para ver o que acontecia.
Entre uma colher de metal, uma pazinha de plástico e uma concha dessas de pegar feijão , sem o cabo, ele percebeu que lhe renderia mais se usasse a concha.
Dei também uma toalha de banho que acreditei que ele usaria para segurar o bloco de gelo, mas ele teve outra idéia. Continuou segurando com os pés, e enrolava um pé de cada vez na toalha, a medida que este congelava. Assim foi indo até que chegou na sua primeira frutinha. A Camila então enlouqueceu, pois, ela estava longe de alcançar a dela porque seu bloco era duas vezes maior. Largou então a concha e começou a correr pelo quarto todo, empurrando seu bloco gelado, pois o chão estava quente e ele ia derretendo. Mas isso também iria demorar e ela tinha muita pressa. Suas mãos toda hora congelavam, ela então, soltava o bloco, continuava correndo, chacoalhando os braços e chorando de nervoso. Nem percebeu a toalha que com certeza o Serginho teria emprestado para não tomar uma mordida, em meio aquele frenesi. Sua ansiedade era tanta que foi virando uma loucura.
O que era para ser um passa tempo, tornou-se um pesadelo.
Resolvi então partir seu bloco de gelo em pedaços para que ela chegasse logo as suas frutinhas.
Quando apareci com um martelo, a Camila já concluiu para que ele serviria, juntou rapidamente todas as ferramentas e me entregou para fazer a troca. Mas eu não poderia fazer isso, um martelo nas mãos da Camila, viraria uma arma muito perigosa. O problema era: separar a Camila do seu bloco de gelo, para que eu pudesse entrar e quebrá-lo.
Ofereci de tudo para atraí-la para fora, porém nada valia mais do que seu gelo. Por fim, um celular de brinquedo resolveu o problema. Eu não queria tê-lo gasto com isto, minha idéia era guardá-lo para trocar por um bicho morto talvez, ou alguma ferramenta esquecida pelo tratador dentro da área de brincar, mas enfim ela largou seu gelo no quarto e eu pude entrar para quebrá-lo. Quando abrimos novamente, todos vieram pegar as frutas do gelo da Camila, e ela nem se importou em dividi-las, pois estava se exibindo toda poderosa com seu celular. Depois de toda essa bagunça, chegava a hora do jantar. O Serginho e a Ana jantaram normalmente como todos os dias, mas a Camila quase nem conseguiu tomar todo seu mingau, caiu num sono profundo depois de tanta agitação.
Sonia Mandruca
Santuário de Vargem Grande Paulista
Notícias do GAP 31.07.07