Nós sempre temos insistido que os chimpanzés são seres muito sensíveis aos problemas emocionais, e a principal tortura que pode acontecer com eles é a emocional. Vejamos este caso que aconteceu com o Chimpanzé Billy II, com aproximadamente 12 anos de idade e que viveu muitos anos de sua vida em um Circo, até chegar ao Santuário. Billy era dominante, já tinha agredido outros chimpanzés, machos e fêmeas, e reagia com algum grau de violência frente a outros chimpanzés e alguns humanos que não lhe agradavam.
Três meses atrás Billy estava em seu recinto com cerca elétrica, e por um erro de manejo o chimpanzé Caco, que está sendo tratado de sua depressão, e nunca teve acesso a uma cerca elétrica, entrou na cerca vizinha a de Billy. Caco tinha duas opções: passar para a cerca de Alex e Carol, ou a de Billy. Alex pegou Carol e a carregou praticamente para o recinto murado. Alex sem dentes não poderia defender-se de uma agressão de outro macho dominante, nem defender a sua companheira. Billy começou a provocá-lo, jogando-lhe terra e pedras. Caco ficou furioso, subiu em um dos postes e terminou entrando na cerca do Billy. Os dois ficaram lutando por alguns minutos até que Billy jogou Caco da plataforma e correu para dentro do recinto murado. Caco foi atrás dele, porém nós conseguimos separá-los. As feridas físicas foram pequenas, porém a ferida emocional em Billy foi profunda; quando um chimpanzé foge de outro, ele se humilha e se entrega.
Billy nunca aceitou ter perdido a briga. Dias mais tarde começou a mudar seu comportamento, não saia mais na cerca, se alimentava pouco e começou a salivar bastante. Nós trouxemos um médico psiquiatra humano de Itu, o Dr. Cutait, que o observou e não achou que o problema era de comportamento, considerou que poderia ter uma gastrite ou um problema bucal. Tentamos várias medicações sem resultado. Billy emagreceu, perdeu todo o pique que tinha, estava apagado, triste e sem apetite. Duas semanas atrás o Dr. Franz Naoki Yoshitoshi e sua assistente vieram de São Paulo, e fizeram uma endoscopia nele. A Dra. Camila Gentile anestesiou o Billy, que se deixou injetar sem problemas, e assim realizamos o procedimento na própria clínica do Santuário.
Na endoscopia achamos um pequeno pólipo na faringe, que após a biopsia não teve resultado maligno, apenas uma gastrite moderada, de fundo emocional, sem presença de bactéria. O mais surpreendente veio depois, quando recebemos os testes sanguíneos que fizemos, a anemia era profunda. Um milhão, setecentos e cinqüenta mil glóbulos vermelhos, e 5,5 gramas de Hemoglobina. Como a Dra. Claudia da Costa Meirelles, de Itu, nos falou que em um humano, no caso deveria ser internado e feita a transfusão. O Dr. Eduardo Pagani, Chefe de Pesquisa do Laboratório Cristália, que nos ajuda voluntariamente em casos complicados, participou da endoscopia, e mais tarde, quando os resultados foram conhecidos, estabeleceu o tratamento, que devia ser intensivo, para recuperá-lo rapidamente.
Duas semanas mais tarde, a Dra. Camila tirou amostra do sangue dele novamente e o hemograma apresentou uma recuperação extraordinária: já tinham 3 milhões e meio de glóbulos vermelhos, e 8,5 gramas de Hemoglobina. Billy agora se movimentava mais, comia melhor e seu ânimo voltava ao que era no passado. Ele ainda sente medo, achamos que espera que a qualquer momento Caco apareça de novo, pulando em sua cerca e atacando-o. Quando escuta gritos e agitação por perto, volta para o seu recinto murado, onde se sente seguro.
Durante o tratamento, além dos medicamentos, oferecemos uma alimentação especial, para acabar com a anemia. Billy sempre cooperou conosco, tomando todas as medicações, quando eram injetáveis, deixando ser injetado. Billy sabía que estava muito doente, e que nós estávamos desesperadamente tentando curá-lo. Billy poderia ter morrido se não tivesse o diagnóstico correto e o tratamento intensivo, e tudo por causas emocionais, não físicas.
Isto nos prova que os chimpanzés, como nós humanos, somos seres extraordinariamente sensíveis, e que a pior tortura que podemos sofrer é aquela provocada pelo abandono, a dominação, o abuso, a solidão, a exploração e a humilhação na sociedade em que vivemos.