Entrevista: Peter Singer – Deutsche Welle (DW)
Bantú, o gorila que morreu em um zoológico da capital Mexicana, foi um dos últimos dos moicanos. DW falou com o Australiano Peter Singer, filósofo da ética prática, referente ao direito dos animais.
Bantú era o único gorila macho da espécie originária das planícies africanas, hoje em perigo de extinção, que morava no México. Ele nasceu em cativeiro no zoológico de Chapultepec, da Cidade do México, onde era uma das principais atrações. Atualmente existem pouco menos de 175.000 exemplares da espécie no mundo, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).
A Comissão dos Direitos Humanos da Cidade do México ainda investiga a morte repentina de Bantú, presumivelmente acontecida por erro médico, no dia 7 de julho de 2016. O gorila, de 220 kg e mais de 1,70 metros de altura, sofreu uma parada cardíaca.
O caso da trágica morte do gorila ressuscita o debate sobre o direito dos animais, especialmente aqueles que moram em cativeiro. DW falou ao respeito com Peter Singer, professor de Bioética na Universidade de Princeton e precursor dos direitos dos animais. Singer é autor de numerosos livros, incluindo o mais recente: “The Most Good You Can Do. How Effective Altruism Is Changing Ideas About Living Ethically”.
O que pensa da morte de Bantú?
Sempre é triste quando morre um gorila. É algo que deveria fazer-nos refletir sobre os nossos verdadeiros interesses e os dos gorilas também. Sempre existe um risco de que as coisas saiam errado.
O senhor é um dos cofundadores do “Great Ape Project”. Exatamente, de que trata este projeto?
Se trata de um esforço para estabelecer os direitos básicos, em particular para os grandes primatas, Chimpanzés, Gorilas, Bonobos e Orangotangos. Sabemos que são muito parecidos conosco; que são seres complexos com vida emocional, com a capacidade de refletir sobre sua situação, de pensar, de resolver problemas, que são conscientes de si mesmos, e que podem pensar sobre o futuro. Os grandes primatas são tão parecidos com os humanos que devemos reconhecer-lhes alguns direitos básicos, essencialmente os que designamos a todos os membros da nossa própria espécie, sejam ou não racionais, ou conscientes de si mesmos. Quer dizer, o direito à vida, à liberdade e à proteção contra a tortura. Gostaríamos que a Lei os reconheça como pessoas, e, portanto, como seres que possam levar casos às cortes. Obviamente por meio de um tratador ou defensor, tal como uma criança da nossa sociedade poderia levar um caso às Cortes.
Termos como “liberdade” e “cativeiro” não são expressões das nossas próprias projeções? Não existe uma diferença metafísica entre os humanos e os animais, devido a nossa capacidade de pensar racionalmente?
É verdade, mas também não podemos explicar esses conceitos a uma criança de dois anos, ou a alguém com deficiência mental. Porém, eles não são trancafiados, nem os exibimos e nem realizamos experiências médicas como com os grandes primatas. Felizmente em muitos países foram proibidas as experiências com grandes primatas e isso, acredito, se deve em parte ao trabalho realizado pelo “Great Ape Project”. Se pensarmos que todos os seres humanos têm direitos básicos, independente de sua capacidade de raciocinar ou refletir, ou de pensar em liberdade, como uma abstração; mas negarmos esses direitos ao Chimpanzés e aos Gorilas, é acreditar que só a nossa espécie tem direitos. Não é defensável. Isso é muito parecido com o racismo e o sexismo.
Alguns veem nos zoológicos como se fosse um lugar onde se pode apreender a respeitar aos animais.
Não está provado que olhar para os animais em cativeiro nos incite a preocupar-nos com eles. Presumo que uma das lições mais importantes que os humanos aprendem nos zoológicos com jaulas é que temos o direito de trancafiar animais e usá-los, basicamente, como forma de entretenimento. Acredito que as lições educativas seriam mais acertadas se pudessem viver uma vida mais de acordo com a sua espécie. Nos os compreenderíamos muito mais, e também sentiríamos mais respeito por eles.
O senhor é um defensor da corrente filosófica chamada de Utilitarismo de Preferência. Que relação tem isto com os animais?
Eu sou um utilitário. Acredito que a ação correta é aquela que tem as melhores consequências. Quais são essas consequências? Os utilitários clássicos tratam do prazer e da dor. Os utilitários de preferências se ocupam da satisfação das preferências. Para ambas formas do utilitarismo, fica claro que os animais formam parte da equação, porque eles experimentam dor e prazer, e também têm as suas preferências. E não temos nenhuma justificativa para atribuir menos valor a essas preferências ou a esses prazeres e dores, apenas porque não são membros da nossa espécie. É por isso que acredito piamente que os animais têm um tipo de status moral, e isso implica em termos que levar em consideração os seus próprios interesses.
No seu livro “Libertação animal”(1975), pioneiro do movimento animalista, o senhor trata do domínio dos homens sobre os animais. O aumento do interesse pelo vegetarianismo e pela defesa dos animais é um sinal desta mudança de consciência?
Hoje há um interesse maior pelos direitos dos animais, e parte disso, sem nenhuma dúvida, tem a ver com as mudanças na nossa dieta, afastando-nos do consumo de produtos de origem animal, procedentes de granjas industrializadas. Também é reconhecido, mais que isto, que não é ambientalmente sustentável e que contribui para a mudança climática.
O senhor viaja muito. Que diferenças tem encontrado no que diz respeito à proteção e trato dos animais?
Tenho observado um progresso significativo na Europa, nas últimas décadas, particularmente nas granjas industrializadas. Alguns dos piores casos de confinamento foram proibidos, como, por exemplo, as gaiolas padronizadas para que as galinhas ponham seus ovos. Entendo que esses são avanços que não existem na América Latina, pois precisam modernizar as suas leis. Também sobre pesquisas com animais, na indústria de cosméticos. Há problemas e não só na América Latina, mas também na Ásia. Por exemplo na China, onde se debate ferozmente sobre o bem estar dos animais.
Porque pensa que é tão difícil conseguir melhorar as condições de vida dos animais nos zoológicos?
Sempre é difícil realizar mudanças contrárias a interesses preestabelecidos. Faz muito tempo que os zoológicos vêm fazendo o que fazem. Assim sendo, não é tarefa fácil que entendam que as suas práticas não são boas e que precisam mudar. Especialmente quando há zoológicos em regiões urbanas, com dimensões limitadas de terreno, sem condições adequadas. Deveriam reduzir drasticamente a quantidade de animais e as variedades das espécies que possuem. Mas a maior preocupação é que o povo deixe de visitar o zoológico; essa é uma luta constante. Devemos tirar os zoológicos das áreas urbanas e levá-los para fora das cidades, onde possam converter-se em parques silvestres, oferecendo aos animais condições dignas de vida.
Fonte (em Espanhol): http://www.dw.com/es/la-dignidad-de-los-grandes-simios-es-inviolable/a-19403352