“A Conservação por si só não é suficiente”
postado em 27 dez 2007

por Richard Leakey (um dos maiores paleo-antropólogos do mundo)


Milhões de pessoas ficaram horrorizadas pela recente matança de gorilas da montanha, que têm ocupado as manchetes da imprensa por seus ímpetos de falta de humanidade, que parece ter se estabelecido neste canto do mundo. No espaço de um mês foram massacrados nove gorilas, mais de 1% da população destes nossos parentes tão carismáticos. Todos eram do Parque Nacional Virunga da República Democrática do Congo (RDC).


Como era de esperar a matança provocou uma resposta enérgica. As organizações de defesa da natureza entraram em ação e começaram a recolher fundos e um gabinete de crise foi estabelecido para estudar o problema na área do conflito. Nas quatro semanas seguintes a reação compulsiva do público se traduziu em uma doação de milhões de dólares.


Os gorilas da montanha vivem no epicentro do conflito mais sangrento desde a segunda Guerra Mundial e compartilham o seu habitat com uma milícia muito bem armada. Em outras regiões sem lei, onde a carne de animais selvagens entra em contato com pistoleiros famintos, as espécies são sacrificadas para se converter em alimento, ou para venda como troféus que possam gerar dinheiro e armas.


Porém estas últimas mortes têm sido repugnantes já que os cadáveres dos gorilas não tinham nenhuma utilidade para os assassinos. Ao contrário, a presença dos gorilas da montanha no Parque Nacional Virunga supõe uma ameaça para eles, já que estes indivíduos chamam a atenção sobre uma zona que para quem a ocupa desejariam que fosse desconhecida pelo mundo.


AUMENTO DOS CONFLITOS


No centro da crise está o carvão, a principal fonte de energia nos lares africanos. E produzir carvão significa derrubar árvores, destruir o habitat das espécies silvestres, destruir os ecossistemas, como as bacias hidrográficas e a fertilidade do solo.


Os guardas florestais que arriscam a vida para proteger o Parque recebem 6 dólares por mês de salário. O carvão se produz lá há milhares de anos, porém a demanda no leste da RDC tem aumentado a procura.


Na vizinha Ruanda uma enorme população humana tem acabado com quase todas as florestas existentes, e no Congo, na cidade fronteira de Goma, mais de meio milhão de refugiados que fogem do conflito se congregam. Entre uns e outros uma demanda de carvão de mais de 30 milhões de dólares ao ano se tem feito efetiva.


Para proteger os poucos bosques que ficaram em Ruanda, assim como os gorilas, que se  converteram em uma importante fonte de divisas via turismo, o Presidente Paul Kagame tem proibido a produção de carvão, o que tem funcionado de forma eficiente e surpreendente. Porém, esta proibição tem empurrado a fabricação do carvão para além de Ruanda, nas terras congolesas, que compartilham o Parque Nacional Virunga, e onde os gorilas também vivem.


Como no leste do Congo não existe nenhuma forma de Governo eficiente e real, e que o Governo paga salários ridículos para os guardas florestais, não é de surpreender que esta zona do Parque Nacional se convertesse em uma zona de ninguém, onde tudo vale e a destruição dos recursos naturais é realizada por campesinos, autoridades e as milícias rebeldes.


Se os gorilas acendem um interesse mundial pelo Parque, os que se enriquecem destruindo as florestas para fabricar carvão, consideram estes nossos parentes uma presença inconveniente e tem como objetivo desaparecer com eles da região.


Por absurdo que pareçam as execuções dos gorilas, isto é fundamentalmente, uma tragédia humana, com soluções humanas. Necessitam de fontes de energia alternativas para responder a demanda tanto em Ruanda como no leste do Congo. Então se deve voltar a respeitar a lei na RDC, onde as florestas devem ser preservadas para benefício de todos a longo prazo e não para uma minoria de saqueadores.


TODOS NÓS ESTAMOS ENVOLVIDOS


Pode parecer que o problema é muito localizado, porém é o interesse de todos proteger as florestas. Tem que existir uma iniciativa mundial específica para colocar fim aos conflitos, introduzir fontes de combustíveis domésticos e gerar formas de empregar a população local. O risco que corremos não é só de fazer desaparecer uma das espécies mais carismáticas e importantes da Terra, assim como perturbar o clima pelo aquecimento gerado. A destruição das florestas é um golpe duplo. A combustão do carvão é uma das  fontes principais  de dióxido de carbono atmosférico, e a desaparição das árvores elimina o sistema que mais tira este poluente da atmosfera.


As organizações de conservação têm dado vozes de alarmes preocupadas com os gorilas, porém está claro que o problema não é somente de conservação, senão algo muito mais amplo. TRATA-SE DE UMA CRISE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO e se faz necessária uma iniciativa específica para pôr fim nos conflitos, introduzir fontes alternativas de combustíveis domésticos e criar formas de ganhar a vida para a população do Kivu oriental. Se ignorarmos esta realidade, não só perderemos os gorilas da montanha, também perderemos as florestas, o habitat natural de milhares de espécies, que preservam o clima e a vida deste planeta. A morte dos nove gorilas é um grito de alerta que deve ser bem entendido, em toda sua extensão.


Notícias do GAP 27.12.2007