Ontem, segunda-feira (14/09), foi um dia atípico no Santuário de Grandes Primatas de Sorocaba. Eram 11:00 h e um chamado de alerta nos avisou que o chimpanzé Caco tinha escapado. Colocamos em andamento o nosso sistema de emergência para esses casos, avisando a todos que se protegessem, até que aqueles que tinham mais intimidade com ele o localizassem.
Um pandemônio de gritos explodiu no Santuário, o que é comum quando algum chimpanzé escapa e começa a visitar seus colegas de recintos vizinhos. Caco era novidade para a maioria, nunca tinha escapado em 12 anos e poucos o conheciam, já que devido ao seu histórico de doença mental, mora com July e tem acesso a vários recintos junto aos lagos, onde a maioria dos outros chimpanzés só tem acesso visual e à distância.
A teoria que existe é a seguinte: parece que pescadores furtivos estiveram visitando noturnamente os lagos, para jogar redes de pesca, e Caco deve tê-los visto. Nesse dia, dois funcionários do Santuário, pouco conhecidos por ele, estavam inspecionando os lagos, já que vamos começar um trabalho de limpeza profunda dos mesmos. Aí ele decidiu pular o muro. Um dos recintos de Caco tem declive acentuado, onde é possível correr e, colocando um pé num buraco aberto por ele nos blocos, consegue pular até alcançar a beirada do muro. Quando ele subiu e depois pulou para fora, os funcionários saíram correndo, mas ele deve tê-los reconhecido e não foi atrás deles; ele começou a caminhar, beirando os recintos, indo em direção ao de Peter e família, Bongo e Billy.
Como é comum nos chimpanzés quando estão sob tensão, tanto na vida livre como os cativos, eles fazem barulho para atemorizar os que podem estar em seu entorno. Foi pela parte de trás dos recintos, junto à mata, e brigou pela janelas com os chimpanzés que lá vivem. Como a mata se fechava e a receptividade não era boa, decidiu voltar, entrou na beirada do lago para beber água e voltou ao ponto em que tinha pulado.
Lá o encontrei, sentado junto ao muro, ofegante, molhado e nervoso. Parei meu velho carro Honda, ele me reconheceu, ficou quieto, lhe ofereci entrar no carro, mas ele não se interessou; afinal, quando era jovem, andava de Mercedes com seu pai humano pelas ruas de Curitiba.
Sentei perto dele e fiquei observando. Ele se incorporou e tentou subir no muro para voltar ao seu recinto. July gritava como uma desesperada, já que ficou sozinha. Falei ao Caco que fosse comigo, lhe mostrei as chaves para entrar por outro lado, ele me seguiu. Ele estava infartando, num momento tive que pegá-lo pela mão, no meio do caminho se deitou na grama, eu fiquei junto a ele, fazendo massagens no peito. O convenci a continuar, ele se apoiava em mim. Caco é um chimpanzé atlético e muito forte, quase não consegui andar com ele. Chegamos a um ponto de entrada no recinto de Francis, onde Charles – morto semanas atrás – também morava. Abri, mas ele não sabia da morte de Charles e teve medo de entrar. Viu a porta do corredor de todos os recintos, então o levei para lá.
Para entrar no corredor, Sam e Rakker – os holandeses – o estavam esperando com garrafas e objetos para jogar encima dele. Neste momento, Caco reagiu. Ficou valente e entrou para comprar a briga. Sam e Rakker estavam atrás de grades e o perigo era mínimo. Entrou sapateando no extenso corredor em direção ao seu conjunto de recintos. Eu fechei por fora e fiquei observando. Enquanto fechávamos o acesso ao recinto externo de onde ele pulou, Caco arrumou confusão no corredor. Apareceu Francis e ele começou a fazer gracinhas para ela. Francis estava apavorada, porém estava protegida pela grade. Ela gritava e July, que sabia que Caco já estava perto, gritava também. Os chimpanzés são muito escandalosos, como nós humanos.
Após alguns minutos, entrei no corredor e o levei para a entrada do seu recinto. Ele queria água, lhe dei e abri os acessos ao seu recinto para onde entrou procurando por July.
Caco foi a nossa primeira experiência com chimpanzés traumatizados em zoológicos. Tem sido o nosso caso mais dramático. Quando ele chegou do Zoológico de Sorocaba, onde ficou 6 anos em exibição à base de calmantes e sedativos, se auto mutilava terrivelmente nas pernas, arrancando pedaços da mesma. A recuperação era penosa, já que as feridas se infeccionavam e, quando saravam, ele voltava a fazer outra mutilação. Aconselhado por psiquiatras humanos, lhe medicamos com Prozac por vários anos e o colocamos num recinto mais isolado, com July, que também veio do Zoológico de Piracicaba e que o temia, mas ao mesmo tempo, tinha muito ciúme dele.
A última vez que eu tinha entrado com Caco foi a uns 11 anos atrás. Porém, sempre mantive uma relação íntima com brincadeiras e ele sempre foi carinhoso, e mostrava a sua alegria ao me ver.
Caco viveu uma aventura inimaginável para ele e para nós. Fez um pulo olímpico para superar um muro de mais de 4 metros de altura e não se machucou em nenhum momento. Eu pensei que ia infartar quando estava voltando junto com ele. Era muita emoção para pouco tempo e desafios desconhecidos pela frente. Em nenhum momento foi agressivo comigo, pelo contrário, foi de uma delicadeza extrema.
Caco voltou à vida de chimpanzé, deixou para trás os fantasmas de seu cérebro que o perseguiram anos a fio, pela vida maldita num Zoológico, exibido a um público ignorante, que ria e se burlava de suas reações de fúria. Voltou a ser o chimpanzé que nunca deixou de sê-lo: explosivo, porém delicado, curioso, porém conservador, brincalhão com os que aprecia e rebelde contra os que tentam o agredir.
Caco viu o que muitos dos nossos chimpanzés também já viram neste mundo cão que está lá fora, com tantos riscos e inimigos; é melhor ficar em seu canto e não desafiar o destino.
Dr. Pedro A. Ynterian
Presidente, Projeto GAP Internacional